a Sobre o tempo que passa: Eu, regionalista, me confesso

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

29.6.05

Eu, regionalista, me confesso



Dois blogues autonomistas dos Açores, citaram hoje excertos de um velho trabalho meu: “A autonomia das regiões como forma de reforço das liberdades nacionais”, in "Autonomia no plano político", 1.º centenário da Autonomia dos Açores, Vol. 5, pags. 109 ss. Agradecendo a referência, apenas os divulgo, para comentar o que atrás proclamei sobre a Galiza.


“(…) Dizer que, em nome da dimensão social da pessoa, há o familiar e o profissional, mas que, em nome da dimensão política da mesma pessoa, há o municipal, o regional, o nacional e o universal, tentando conceber a democracia como aquele regime misto que não se esgota no estatismo e que até o deve superar, renegando tanto o individualismo, hobbesiano ou jacobino, como o corporativismo hierarquista que, contra-revolucionariamente, procurou antepor-se-lhe.

De certa maneira, retomar a perspectiva consensualista de algum federalismo integral, mas compensando-o com a visão consensualista do contrato social.

Assim, tem de aceitar-se a necessidade da revolução regionalista, pelo entendimento da mesma como uma revolução simbólica contra uma dominação simbólica, porque qualquer unificação que assimile aquilo que é diferente, encerra o princípio da dominação de uma identidade sobre outra, da negação de uma identidade por outra, para utilizarmos as palavras de Pierre Bourdieu.



Uma revolução que, no espaço europeu, implica uma descolonização da Europa, porque, como salienta Alain Bénoist, se a riqueza da humanidade é a personalização dos indivíduos no interior da sua comunidade, eis que a riqueza da Europa é a personalização das regiões no interior da cultura e da civilização donde aqueles emanaram.
Só através do regionalismo, a Europa poderá deixar de ser um arquipélago submerso. Um oceano de culturas apagadas, para utilizarmos a expressões de Jean-Edern Hallier.

A região pode ressuscitar a Europa, a Europa das cem bandeiras, a Europa que precisa de distinguir para unir, que precisa de dividir as divisões estaduais existentes para melhor poder unificar-se através da espontaneidade do verdadeiro político.

Aliás, as regiões autónomas dos Açores e da Madeira se constituem uma realidade constitucional, não se instituíram, durante o PREC, através de qualquer concessão constitucional.

A autonomia política dos Açores e da Madeira não surgiu das leis para a vida, mas, bem pelo contrário. As autonomias políticas em causa, antres do o serem já o eram, isto é, antes de serem consagradas pela constituição já estavam implantadas na realidade pelos movimentos políticos e sociais que no terreno exprimiram as históricas aspirações autonomistas das populações insulares.

(…) Diremos que está em crise o Estado soberano, aquele modelo de Estado Nação que tem conformado mimeticamente os Estados a que chegámos na Europa. Está em crise o Estado Soberano, porque é, ao mesmo tempo, pequeno demais e grande demais.

Não está em crise aquele modelo de estado que nasce da comunidade para o aparelho de poder. Não está em crise a nação politicamente organizada, o aparelho de poder que brota da libertação da comunidade.

Está em crise o modelo de centralização soberanista que foi do absolutismo, despótico ou democrático, o qual continua a querer homogeneizar a diversidade das várias comunidades naturais.

Está em crise o modelo de estado que, transformando os indivíduos do direito natural em cidadãos do direito positivado, tratou de estatizar todos os direitos originários e naturais e decretou que não poderia existir qualquer espécie de intermediação de corpos políticos entre o mesmo indivíduo e o centro do aparelho de poder estadual.

Esse modelo expropriou as comunas, as regiões, os grupos profissionais e outros poderes ditos periféricos, que decretou a impossibilidade de uma pluralidade de centros de poder soberanos submetidos a um mesmo ente coordenador.
Está em crise aquele modelo absolutista que procurou territorializar um determinado espírito, que transformou a polis em propriedade, isto é, aquilo que é ser, em simples coisa que se pode ter.

Foi esse modelo, maioritariamente dito como Estado nação que procurou impor sobre todo o espaço do seu território a mesma língua, os mesmos costumes, um exército permanente baseado na conscrição, um sistema de ensino público único e que tratou de impor a todas as colectividades territoriais menores o mesmo modelo de pronto-a-vestir administrativo, atomicizando o espaço e homogeneizando as divisões segundo um modelo único.

Não está em crise a nação libertadora ou resistente, sobretudo aquela que continua a ser marcada pelo small is beautifull, que, conforme Jacob Burckhardt, existe para que haja no mundo um cantinho de terra onde o maior número de habitantes possam gozar a qualidade de cidadãos no verdadeiro sentido da palavra…o pequeno Estado não possui nada a não ser a verdadeira e real liberdade pela qual compensa plenamente no plano ideal as enormes vantagens e até o poder dos grandes Estados (…)”