a Sobre o tempo que passa: Escrever quem sou

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

6.7.05

Escrever quem sou

Não sei o que hei-de escrever,
mas sei que tenho de escrever
retomando palavras que concitem
as raízes do meu grito.
Verso a verso, traduzir
esta pressão a mais dentro de mim.
Há secretas forças que suscitam
alguns outros que não sou.

Dia a dia escrever e rescrever
dia a dia peregrinar meu ser,
dia a dia, poemizar quem sou.

Porque ser é escrever
e escritura criatura
escrever quem julgo ser.

Palavra a palavra, procurar meu signo,
palavra a palavra, ficar mais perto
do poema que há-de ser
mas que não sei fazer.

Ser é escrever
e escritura, criatura,
neste escrever quem sou,
neste escrever-me,
descrever-me,
de um poema por fazer
que vou fazendo.

Viver é escrever,
domar quem sou,
lavrar,
no espaço branco
do papel,
as coisas
que apetecem relembrar,
os sons, os ritmos,
neste moldar
da sinfonia que procuro.