Dinossauros excelentíssimos...
Quando o sistema político lusitano ameaça ficar dependente da restauração de duas democráticas personalizações do poder, onde interessam menos os projectos e mais as memórias e mitos de um passado que já não há, sinto-me confortado por não me assumir como soarista nem como cavaquista e por fazer parte daqueles radicais que não gostam de engolir sapos vivos, detestam meter valores na gaveta e rejeitam as escolhas do mal menor. A democracia pós-revolucionária quando pensa que a regeneração é a procura de um ilusório regresso à falsa pureza primitiva, mesmo que ela se vista de gerontocracia, mais ou menos patriarcal, prefiro a coragem de continuar em minoria e até agradeço a circunstância de assim me poder despedir da direita e da esquerda a que chegámos, se reduzirem a primeira ao cavaquismo e a segunda ao soarismo. Aliás, tenho a certeza que os "eus" de Cavaco e de Soares, postos perante as novas "circunstâncias", produzirão inevitáveis frustrações e levarão a presente crise decadentista à inevitável degenerescência.
Não faço comparações entre a maior idade de Soares e a menor idade de Cavaco, mas julgo que uma eleição presidencial não devia transformar-se numa disputa historiográfica, entre quem deve ou não receber um maior agradecimento comunitário pelos serviços prestados à pátria. Porque se um já é "pai da república" e o outro um desses tios mais velhos que pretende suceder ao pai, pode ser que este tenha o bom senso de não querer alinhar neste jogo e surja a surpresa de um candidato à direita do tipo de Marcelo Rebelo de Sousa que provoque a inevitável luta de gerações que, caso não seja uma tragédia, sempre pode transformar-se numa espécie de comédia.
De Soares, não me aflige a idade, aflige-me a tentativa de rejuvenescimento artificial no plano das ideias que o poderão desviar de uma identidade e de uma coerência exemplares. Louvo-lhe a coragem, a ambição e o sentido cívico e, mesmo como adversário, queria continuar a reverenciá-lo, como o fiz, quando participei no megajantar dos respectivos oitenta anos. Mas apetece recordar que, tal como aconteceu a José Luciano de Castro Corte Real, a Sebastião Magalhães Lima, a Bernardino Machado e a António de Oliveira Salazar, pode haver o problema de não repararem como alguns fazem oitenta anos muitas vezes depois dos oitenta anos e de poucos terem a coragem de lhes dizer a verdade da perda do voluntarismo, encantados que todos ficamos com a experiência senatorial e o encantamento intelectual. Não deixemos que as coisas antigas se tornem antiquadas.
Até Cavaco corre o risco de não ter a plenitude do respectivo prazo de validade, não por razões intelectuais ou de sentido cívico, mas antes pela circunstância de ter tido o seu tempo. Ambos tiveram os "mon ami Mitterand" e o companheirismo dos Kohl, mas este é o tempo dos Bush, dos Putine, dos Blair e de tantos outros de outros sítios que conhecem e meditam nos forçados regressos dos Churchill, nas continuidades dos Adenauer e nas teimosias dos Fraga. Por mim, apenas preferia que o meu tempo desse uma resposta do meu tempo, face às presentes circunstâncias e com outros protagonistas.
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