A necessária revolução do bom senso
Confessso que às vezes me apetece dizer basta a este crescente pessimismo que vai invadindo as reportagens íntimas destas minhas crónicas sobre o tempo que passa. Até gostaria de poder destacar alguns sinais de esperança colectiva sem o tremendismo vocabular que esta nostalgia pelo bem, com que se identifica a clássica procura do melhor regime, me provoca. Infelizmente, quanto mais procuro o prazer de pensar a política, mais acabo por ter que denunciar os sinais de corrupção e de indiferentismo em que vamos definhando.
Com efeito, gostaria de ter as ingénuas ou lúcidas energias que movem os políticos profissionais quando estes estão no poder, ou quando, passados à oposição, logo têm um programa de salvação do mundo, esquecidos que ainda há poucos meses eram os mais panglóssicos defensores do mesmo situacionismo. Por mim, ainda sou capaz de reconhecer que, apesar de tudo, este governo, apesar de ser péssimo, é bem menos péssimo do que o respectivo antecessor, embora muitas estrelas que o marcam continuem a empalidecer por cansaço pessoal.
Entristecem-nos particularmente as cenas que revelam a permanência daquela mentalidade do bloco central de interesses, assente no neocorporativismo e no despudor da casta banco-burocrática. Até receamos que as politiqueirices da corrida autárquica e o estupefaciante das eleições presidenciais levem a que Sócrates se esqueça que tem o dever de dinamizar esse bem politicamente escasso chamado maioria absoluta.
Compreendemos o drama do défice, mas não propomos que se privatizem blocos do domínio público marítimo para a constituição de praias de luxo. Notamos o encarquilhamento estratégico que marca a presente indecisão europeia. Sabemos que a nossa independência apenas passa pela gestão de dependências. Mas consideramos terrível que não seja possível debelar esta doença pós-totalitária com que nos vamos lestizando e terceiromundizando. Não me conformo com esta oportunidade de perdida e não quero que me voltem a alcunhar como a turquia ocidental.
Imagem picada em Platero
O sistema político não parece conseguir sair da rotina decadentista de umas regras do jogo que nos conduziram e conduzirão sempre à meia derrota do conformismo rotativo, tipo administração da Caixa Geral de Depósitos. O modelo dos partidos políticos que o marca não parece capaz de produzir um "new deal" onde, baralhando e dando de novo, pudessem chegar as necessárias reformas estruturais que nos permitissem viver com aquilo que produzimos, bem como as mais profundas regenerações morais e culturais que, dando autonomia às pessoas, adensassem o comunitarismo e permitissem que largássemos as amarras da inércia. Precisávamos de partir para uma nova aventura colectiva onde o movimento não fosse a ilusão de virarmos a barca para a esquerda e para a direita, mas sem sairmos do mesmo círculo vicioso, onde só andamos quando os outros nos dão bolina.
Não é a conversa mole do oportunismo das presidenciais que pode produzir o necessário abalo regenerador. A inevitável procissão de notáveis vaidades que as candidaturas desencadearão se podem propiciar brilhantes análises de "jet set" serão bastante pouco para o muito que se exige de todos e para todos. A solução talvez esteja em quem venha apresentar o ovo de Colombo daquilo que muitos dão o nome de bom senso. Porque não tardará que todos comecem a visualizar como alternativa o mero fim do regime, mesmo aqueles que, como eu, preferiam a chegada de um Charles de Gaulle, com história de resistência e sentido de futuro.
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