a Sobre o tempo que passa: Momentos V. No Jardim do Príncipe Real

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

5.8.05

Momentos V. No Jardim do Príncipe Real



Imagem picada em O Príncipe do Líbano

Agora, o prazer da sombra de um jardim em plena cidade, a música dos pássaros vencendo o ruído dos carros que passam, as conversas que se ouvem, difusas, na mesa ao lado, os incómodos soons dos telemóveis que interrompem a serenidade do jardim, e a minha solidão que pensa. Sobretudo, o prazer de recordar momentos em que fui feliz. E o pássaro que volta e cujo chilreio recorto, deste mosaico do momento sentido. O verde sujo visto da sombra, o breve vento que nos refresca em dia de verão. Onde não interessam as conclusões que declaramos, mas as angústias da procura que poderemos sugerir.

Comi breve, nesse requinte de saborear sem olhar as horas, sem ter de correr para cumprir, pedindo um café no devagar e escrevinhando à toa sem sequer ter que escrever. Fecho-me à conversa impertinente destes vizinhos de mesa, atrás de mim, prefiro seguir a viagem que uma ousada pomba vai fazendo por entre as mesas da esplanada.

Há uma cidade que apetece descobrir. Sem a clandestinidade dos segredos que já cansam, caminhando à toa como a palavra num poema por fazer, assim na descoberta de quem sou, neste prazer de viver e reviver, à espera dum tempo que me desperte e me defina.



Imagem picada em O Príncipe do Líbano

E sempre o corpo frágil de um passarinho quebrando a rotina com um chilreio e inundando com essa criatividade natural a sinfonia deste meio dia em plena cidade. Que neste jardim do Príncipe Real já não posso surpreender meu mestre Agostinho da Silva em seu filosofar peripatético, procurando o mistério de um Portugal que não quis achar, para que os vindouros pudessem continuar a ter a ilusão de o achar.


Aqui estou, sem ser dono de um planeamento estratégico para o que sou. Assim à espera de um qualquer pardal que me ajude a encontrar, de uma qualquer viagem que me dê a ilusão de viver, de uma qualquer semente onde possa gravar este prazer de viver.