No dia em que a Discovery chegou sã e salva
Ainda bem que há um vaivém que regressa do infinito espaço de que somos parcela. Ainda bem que ainda podemos ir além, em descoberta, esquecendo que por cá permanece a pobreza, a injustiça, a doença e a fome. Ainda bem que a humanidade pode ter a ilusão de superar-se a si mesma, embora, todos os dias, não consiga ir além dentro de si. Por momentos, todos podemos ser tripulantes da "Discovery", reentrando na atmosfera, depois de uma viagem além de nós. Que bom podermos vencer a má memória de outra nave em que morremos, no regresso, por causa de um qualquer grão de espuma na engrenagem.
É por isso que não queria falar das guerrazinhas de homenzinhos nem em golpadas de salão. Apetece reparar que o belo sonho do catecismo dos industriais e das maravilhas da ciência e da tecnologia tanto nos dão a NASA como Hiroshima. Por cá, apenas produzem caricaturas engenheirais, de mangas arregaçadas, prometendo-nos betão e túneis, assim demonstrando a distância que nos separa das alturas. Que bom seria não haver guerrilha, terrorismo, PS e PSD. Que bom seria que a governação pudesse ser gerida por um computador, que todo o mundo se reduzisse ao papel quadriculado de um projecto de barragem, sem as eternas maluquices a que não conseguimos dar resposta, como a adoração dos deuses, ou de um só Deus, as coisas simples do amor ou as paixões cívicas que metem pátria, ideologia, camaradagem ou amizade. Que bem seria sermos todos categorias, abstractas e quantificáveis, susceptíveis de planeamento, sem as loucuras dos que ainda citam Platão, Confúcio, Cristo, Rousseau e Marx...
Por cá, vamos falando em frentes de fogo e em ignições descontroladas que a nossa negligência vai espalhandoe todos desejamos que regresse o bom tempo daquilo que noutras ocasiões qualificamos como mau tempo. Vale-nos que Sócrates continua seu safari, que o Benfica ainda não arranjou um ponta de lança e que eu continuo a cravar as minhas farpas no dorso das vacas sagradas, no meio das muitas chocas que se fingem gado bravo. Julgo que estar vivo é continuar de olho vivo, denunciando a hipótese de atingirmos a dimensão desses "países que não existem", onde, afinal, os pequenos, médios e grandes partidos estão com muitas dificuldades de navegação autárquica neste mar encapelado da política estival, onde os novos tempos continuam propícios aos velhos senhores de outras guerras.
Neste país de braseiros, faúlhas e secretários de Estado chamados ascensos, apesar de Ronaldo jogar no BES e Mourinho no BPI, há governos que não seguem as recomendações do livro branco dos incêndios florestais. Mas não faz mal, que o governo anterior também não se preocupou com o que foi mandado fazer por não sei quantos governos atrás, apesar de podermos registar não sei quantos discursos ministeriais sobre o que deveria ser e outros tantos votos pios presidenciais, dizendo que afinal seria desta. O problema é que continua a não ser e tudo pode ser explicado por causa do buraco do ozono, da constituição europeia e da lesão do Mantorras. Mas desta é que vai ser, se o Soares vencer, se o Cavaco não perder e se o raio que os parta afinal não nos partir. A culpa toda cabe ao papão e ao zé susto, aos entusiasmos de povoamento florestal de outras eras e a essa malta da oposição que nos anda a amedrontar com o mensalão e o "off shore". O que eles têm é inveja e mania das grandezas, porque todos querem é poleiro e tacho, ou então, uma aposentação dourada em qualquer banco do Estado, que é lugar que fica bem a um qualquer ex-ministro que não tenha sido recrutado pelo Jardim Gonçalves.
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