Momentos IV. As mãos acariciando o tronco dos dias...
Imagem picada em Platero
O tempo, sempre a palavra tempo que apetece saborear e peregrinar, as mãos acariciando o tronco dos dias e os pés calcorreando a caruma dos pinhais. E lá vou olhando, ao longe, as nuvens que, do longo mar, se desprendem. Sempre o tempo me dando ritmo, especialmente quando me apetece continuar aqui, mesmo que seja noutro lugar, para que as circunstâncias despertem outras faces do meu ser. Basta que a terra gire e que o sol venha alumiar certas ruas obscuras que não me deixavam peregrinar por dentro da minha própria história.
Passaram os tempos das amarguradas madrugadas sem conseguir dormir, desses assomos de tristeza que provocam nos outros o sofrimento que não merecem. Quando apetece fugir para não olhar o sol de frente, visualizando a inteireza da nossa encruzilhada, quando nem sequer conseguimos verbalizar a angústia, percorrendo ruas de obscuros barulhos assentes no lodo dos sítios onde o sol tarda a chegar, entre restos de barcos que apodrecem.
Imagem picada em Platero que peregrina sítios como a Rua da Junqueira, Barcelos e a Ericeira, os quais, por acaso também são o espaço habitual da minha paisagem
Apetece que estes dias não acabem e que consiga capturar este prazer de viver feliz, vencendo as penumbras. Não, não me sinto um qualquer náufrago em qualquer ilha deserta ou secreta que a imaginação doentia pode inventar. Prefiro a dureza desta costa ocidental e a violência luminosa deste sol de Portugal que nunca admitiriam esses temporários embriagantes que nos entontecem. Porque há antiquíssimos sinais de um mar de há muito descoberto. Há o silêncio profundo desses segredos, ditos com palavras de todos os dias, maduramente sentidos. Há, sobretudo, a dor da procura de sentido, assente em sofrimento passado.
Ainda há tempo de dar longos passeios ao domingo, de noites que podem ser manhã e jardins suspensos na luz do Sul. Aqui posso ser quem estou, assente num corpo feito sinal da procura, onde quem serei já sou, onde versos e versos me levam ao segredo, onde há pedaços de procura, restos de música. Mesmo que, para os que me lêem não possa dizer tudo quem sou, sobretudo os pequenos recatos onde me guardo, esses pequenos segredos que me dão signo, mesmo que sejam sob as luzes citadinas e banais, sentindo as emoções fabricadas de um qualquer filme do cinema de sempre.
Continuando a roubar imagens a Platero cujo olhar me desperta tantas coincidências.
Talvez esteja escrito nas estrelas a inevitabilidade dos acasos procurados que não podem confundir-se com a contabilidade miudinha dos frustrados. Prefiro a "esperança dos desesperados", dos que não perderam o sentido dos gestos. Prefiro o afã de navegar em descoberta à procura de sentido. É por isso que apetecem as palavras simples que já foram proibidas.
É dia de chegar o dia, de olhar quem sou sem doer dentro de mim, quando as horas vão escorrendo livres e em serena espera vou divagando. Porque, silencioso e desperto, até posso ser um pedaço qualquer da nuvem peregrina que o vento me traz.
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