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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

2.8.05

Uma sucessão das arábias... "no comments"



Estava eu passando os olhos pelos jornais, à procura do registo de conversa que tive com o jornalista Miguel Pacheco do "Diário Económico", quando deparei com este equívoco da primeira página do diário da Sonae, bem como com a acusação do líder do PSD sobre tal acto de "descarado saneamento político" numa Caixa que não é a Fábrica da Pólvora dos jardins suspensos. Porque nos Paços de Lisboa Paula Teixeira da Cruz ameaça suceder a Helena Lopes da Costa, se Maria de Belém não conseguir superar em votos Maria José Nogueira Pinto, dado que Celeste Cardona não foi saneada desta e não pode, portanto, candidatar-se a presidente da assembleia municipal de Lisboa. Ao menos, nas Arábias, sempre é rei morto, rei posto, sem estas trocas e baldrocas dos desempregados políticos do Bloco Central.

Por isso é que voltei a ler a longa entrevista de Pedro Santana Lopes ao "Expresso" do último fim de semana, onde se contam longos pormenores sobre as enfermeiras de Madrid e as histórias de Carlos Cruz como mandatário de João Soares, coisa tão comentadas quantas as recensões feitas ao livro de Rui Mateus. O nosso ex-primeiro, que cresceu nos Olivais, a partir dos oito anos de idade,conhece bem os problemas sociais da capital. Sabe até que as casas desenhadas por Nuno Portas e Nuno Teotónio Pereira, nesse bairro fronteiro com o Parque das Nações e que não tem o encanto lusitanista do da Encarnação, ainda com imitações de casas portuguesas à Raul Lino, tinham dispositivos interessantes para os pequeno-burgueses, com tanques de cimento armado nas cozinhas e garagem para bicicletas nos blocos previstos para os funcionários da Caixa Geral de Depósitos, quando a burguesia fina da arquitectura ainda pensava que o povo era um filme neo-realista de Felini, adaptado ao "até amanhã camaradas".

Mas hoje ainda pode notar-se como os problemas sociais lisbonenses serão resolvidos sem concentrações urbanas ocupadas por excesso de gente afecta aos ditos e produtora de falsos "arrastões". Basta deslocalizar a coisa com intervenções cirúrgicas de "okupas" da classe média, como ontem confirmei numa entrevista em diferido na RTP2. Desconfio que o povo não seja a paisagem das criadas e mulheres a dias que passam por certos palacetes e andares de condomínio, só porquejoga no "jackpot" do euromilhões.

Afinal, lá acabei por confirmar o que disse a Miguel Pacheco: “na prática, os filhos do cavaquismo e do soarismo não cresceram. A segunda geração não conseguiu impor-se”. Até acrescentei que “o país vive numa crise que ameaça o sistema político e que prefere ir buscar ao passado os máximos situacionistas.” Uma crise que é reflexo do “medo da criatividade”, garante o historiador, e da falta de opções dentro do sistema. Quanto à relação entre S. Bento e Belém num futuro cenário presidencial, fiquei a saber que disse tratar-se de "uma estratégia errada", já que “o PSD comete o erro de pensar que o Palácio de Belém é o ministério das Finanças.”