a Sobre o tempo que passa: Momentos III. Blogueando, na procura do eterno

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

3.8.05

Momentos III. Blogueando, na procura do eterno



Confesso que nunca me apeteceu bloguear em cibercafés, transportando postais enlatados numa disqueta. Não sou capaz de o fazer numa sala cheia de internautas. Preciso de intimidade, de um qualquer cantinho para me escrever assim em directo, porque os blogues só podem existir quando, entre o acto de escrevê-los e o de publicá-los, medeia o simples tempo de um clique que os lance mundo fora.

Com efeito, a forma de comunicação blogueira é a do imediatismo, mesmo que a liguemos necessariamente ao arquivo do eterno, que cada um guarda dentro de si. Mesmo que se guardem postais no manuscrito de muitas agendas. Foi numa delas, de 1992-1993, dita crónicas do tempo que passa que, aliás, fui buscar o título deste cantinho, plagiado de um belo romance de Robert Brasillach.



Para que os grandes escritos possam emergir, são precisos muitos escritos menores como aqueles em que me perco. Estes apenas servem como corrente de geração, nesta nossa simples missão de recolector e transportador de sementes que, noutros, hão-de frutificar. A cultura é precisamente o inconsciente fruto maduro que o curto prazo da nossa vida terrena não permite vislumbrar. Que outros virão depois de nós e neles o nosso eu se realizará na mesma procura do eterno, como eu apenas transmito o que outros, antes de mim, semearam. Todos somos muitos outros que em tempos passados prepararam a emergência de quem somos e nossas mãos de escrita apenas existem para se entregaram a uma missão. Outros serão, depois de nós, o nosso sonho e neles nos devemos entregar em plenitude, tão livre como o vento que se perde.


Imagem picada em
www.miguelcosta.net/diversas/foto01.htm

Nós e aquilo que temos a ilusão de criar não passamos da poeira de um caminho que nossos vindouros hão-de calcorrear. Importa ter a humilde consciência deste dever. De sermos parcela da longa corda de transmissão de um sinal de sonho. E é nesta postura de serviço que conquistaremos a eternidade, mesmo que não o registem em nota de pé de página.

No intervalo, apenas seremos compreendidos pelas almas gémeas que servem connosco o mesmo objectivo desta procura colectiva. Mesmo que não surjam anónimos sinais de irmandade. Quem tem a consciência de assim estar vivo e sentir o silêncio dos que, em fidelidade, comungam connosco do mesmo ideal de vida, apesar de se poder sentir só, sabe, intimamente, que não está só e que muitas outras mãos nos querem dar as suas mãos de escrita.

Quem tem a força de uma convicção plena de sentido, sabe que poderá continuar a ter o prazer de caminhar e o prazer se sentir que a beleza nos há-de iluminar. Há sempre um largo espaço de mar que poderemos sulcar. Há navegações por fazer. Ilhas por descobrir. Cabos negros por varar.



Nosso destino não é chegarmos ao fim da estrada, cumprirmos planeadamente uma qualquer rota que outros nos tenham escrito. Nossa missão é caminharmos, sentirmos o prazer da caminhada, plenos de sonho, plenos de mar

E assim vou continuando a procurar ser cigarra, sem qualquer tentação para formiga. E assim sereno me vou deitando nas areais do silêncio, olhando os pequenos fluxos de vapor que, das ondas, se desprendem, nesta praia de sentir escorrer o tempo, sem o "stress" de quem sofre sem porquê. Apenas apetece que o que este tempo não passe. Apenas apetece ficar aqui para sempre. Não apenas por causa do lugar. Os lugares em si, de pouco valem. Valem mais os olhares com que os encaramos. Por isso apetecia continuar sem que o vento me afaste do que procuro.