Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...
• Bicadas recentes
Estes "breves aforismos conspiradores, sofridos neste exílio interno, lá para os lados de São Julião da Ericeira, de costas para a Corte e com os sonhos postos no Atlântico..." começaram a ser editados em Setembro de 2004, retomando o blogue "Pela Santa Liberdade", nascido em Maio de 2003, por quem sempre se assumiu como "um tradicionalista que detesta os reaccionários", e que "para ser de direita, tem de assumir-se como um radical do centro. Um liberal liberdadeiro deve ser libertacionista para servir a justiça. Tal como um nacionalista que assuma a armilar tem de ser mais universalista do que soberanista". Passam, depois, a assumir-se como "Postais conspiradores, emitidos da praia da Junqueira, no antigo município de Belém, de que foi presidente da câmara Alexandre Herculano, ainda de costas para a Corte e com os sonhos postos no Atlântico, nesta varanda voltada para o Tejo". Como dizia mestre Herculano, ao definir o essencial de um liberal: "Há uma cousa em que supponho que ate os meus mais entranhaveis inimigos me fazem justiça; e é que não costumo calar nem attenuar as proprias opiniões onde e quando, por dever moral ou juridico, tenho de manifestá-las"......
Este portal é pago pela minha bolsa privada e visa apenas ajudar os meus aluno. Não tive, nem pedi, qualquer ajuda à subsidiocracia europeia ou estatal
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Terrorismo e corrupção, Aldoar, Grupo de Argel e Lili Caneças contra o efeito Bárbara
A pátria acordou hoje empolgada porque o presidente Sampaio vai finalmente falar "urbi et orbe". Não é sobre o caso Felgueiras, ou sobre as agressões de Aldoar, mas lá mais ultramontanamente, em Florença, sobre o relançamento da construção europeia que é uma coisa que Pacheco Pereira tinha no defunto sítio do não. Os eslovacos que derrotaram o Porto estarão atentos. Os suecos que humilharam o Sporting Clube de Peseiro preparam-se para devorar as palavras do nosso chefe do Estado. É que seis meses após ter tomado posse, o Governo PS perdeu a graça e o estado de graça e ameaça resvalar para a desgraça, com a consequente remodelação de Freitas do Amaral e a manutenção de Gago, dado que, segundo a sondagem da Marktest para DN e TSF, o PS cai nove pontos percentuais, baixando dos 43% em Julho, contra os actuais 34%. Só o Vitória de Guimarães de Jaime Pacheco se safou, pondo os polacos na ordem, na terra de João Paulo II.
Avisa Rui Pereira, ex-director do SIS, que o fenómeno da corrupção ao nível do aparelho do Estado (englobando a Administração Central e Regional) deve ser equiparado ao terrorismo e combatido com os mesmo meios utilizados para desmantelar as organizações terroristas, no mesmo dia em que o "Correio da Manhã" informa que os terrenos que deram origem ao empreendimento ‘Quinta das Pevides’, em Mafra, foram vendidos pela autarquia a vários proprietários, entre os quais o pai, José Maria dos Santos, do presidente da Câmara, algum tempo antes de serem classificados pelo PDM (Plano Director Municipal) como urbanizáveis.
Entretanto houve eleições locais na faixa de Gaza, com os fundamentalistas e terroristas do Hamas a crescerem, contra o governo do partido de Arafat, em nome da luta contra a corrupção. Já na Argélia, num referendo proposto pelos anti-fundamentalistas e anti-terroristas no poder, parece que venceram os que são acusados de corrupção. Isto é, em muitos sítios faz-se terrorismo contra a corrupção e a paz identifica-se com a estagnação da chamada compra do poder. Já em Lisboa o governo parece que vai afastar os gestores públicos da REFER acusados de contratações cruzadas. Resta saber se depois de "boys" laranjas, se irão suceder "boys" e "oldmen" da faixa cor de rosa. O estado de graça já foi e começa a valer tudo.
Já Paulo Portas, ex-líder popular, só esclarecerá se admite, ou não, uma candidatura à Presidência da República depois das eleições autárquicas. Até lá, nem uma palavra. Outra foi a postura de Santana Lopes, para quem no conceito de andar por aí não se inclui tal tipo de candidatura. Já Narana Coissoró, porque desta não é deputado, não voltou a propor a candidatura de Adriano Moreira. Vale-nos que Lili Caneças, celebridade do ‘jet set’, apoia a candidatura de Carmona Rodrigues à presidência da Câmara de Lisboa, segundo revelou fonte da candidatura. Entretanto qualquer semelhança de Bouteflika com o grupo de Argel pouca coincidência tem com alguns incidentes da guerra colonial no Norte de Angola.
Entretanto, no "Jornal de Notícias", faço breve depoimento sobre o caso Aldoar, onde lembro que os cidadãos se recordam do caso de Felgueiras, em que Francisco Assis foi agredido pelos apoiantes da presidente da Câmara. "O candidato do PS tem um histórico semelhante pelo que, mesmo sem o conhecer, tenho a certeza que não promoveria uma acção destas". Além do mais, o Partido Socialista viveu recentemente o caso de Sousa Franco na lota de Matosinhos e repudiou a actuação dos seus militantes. Até disse acreditar que o "efeito bola de neve não tem terreno para se desenvolver no Porto", porque Assis se prontificou a repudiar a acção. "Se Rui Rio se fizer de vítima sai-lhe o tiro pela culatra", conclui. Porque a teoria da bofetada da Marinha Grande aconteceu quando Soares combatia um PCP totalitário e pró-soviético que nunca tinha desautorizado os agressores de Sousa Franco nem processado Fátima Felgueiras. E este PSD, ao que parece, é aquele que afastou Paulo Morais...
Como diz alguém num blogue vizinho, a nossa Fatinha está é a deixar muitos colegas candidatos azuis de inveja. Acima da esquerda e da direita, dos vícios e das virtudes, aí está o espectáculo de uma hábil sobrevivente num mundo político que o povo detesta. Ama-se a Fatinha, odeia-se a justiça e detestam-se os politicos. Nesse mesmo local, veja-se este "apanhada": Não seria bom terem um botão em vossas casas onde pudessem carregar quando tivessem um problema e vinha logo alguém?, Zezinha Nogueira Pinto para idosos lisboetas. Já existe, sôtora. Para a Renata, a Sheila, a Vanessa ou a Diabinha Devoradora.
Com a maior operação de mobilização cívica do nosso sistema político, abrangendo cerca de 400 000 candidatos, naquilo que Cavaco Silva qualifica como ruído, ficámos a saber que o crime económico atinge mil milhões de euros que fogem ao pagamento de impostos. Tristes também ficaram os dragões, em dia de fazerem 112 anos, quando perderam com eslovacos no seu próprio covil, depois de as águias não terem voado na véspera, lá para Manchester, também por excesso de bolas de queijo flamengo.
Já mais a Sul, milhares de uma espécie em vias de extinção por seca, os agricultores, manifestaram-se contra o embaixador da PAC em Lisboa que não consegue ser o embaixador da nossa agricultura em Bruxelas. Vale-nos que a Assembleia da República aprovou a proposta do PS para a realização de um novo referendo ao aborto e que Alegre, no intervalo, conversou animadamente com Soares (João) e Coelho (Jorge).
Mais animadas foram as cenas em que Rui Rio foi vaiado e ameaçado no Bairro de Aldoar, ou a reportagem psicológica sobre a circunstância de, com a entrada de Bárbara Guimarães na campanha de Manuel Maria Carrilho, começarem a surgir preocupações nas hostes do PSD. Felizmente, Portugal ultrapassou a Espanha nas estatísticas globais da competitividade, numa altura em que Artur Portela renunciou ao cargo na AACS por alegada pressão do Governo, logo negado por um ministro que foi da educação.
Na minha terra natal, segundo o "Diário de Coimbra", o financiamento da Académica está na mira do Ministério Público, com a Judiciária a investigar o urbanismo municipal, nomeadamente a actividade de José Eduardo Simões como director municipal do urbanismo e presidente da Académica.
Porque ninguém deu o devido destaque ao grito de alma de Diogo Freitas do Amaral, ouvido na Rádio Renascença, com o ministro dos Negócios Estrangeiros a fechar a porta a uma eventual candidatura à Presidência da República, deixo aqui ficar parte da capa do "Diário de Notícias", em homenagem à grande unidade antifascista. Infelizmente, tal ilustre personalidade já não tem condições para regressar a uma candidatura em nome do povo da direita, onde há muitas vagas ao lado de Cavaco.
Infelizmente, tanto Santana Lopes como Paulo Portas, também não poderão descer a esse pedido de ingresso no passeio pela Avenida da Liberdade. A direita a que chegámos continua a ser a direita que convém à esquerda. A direita a que chegámos está esmagadoramente apoiando a candidatura de Cavaco Silva que, naturalmente, vai dizer que está acima da direita e da esquerda, a não ser que ainda surjam nomes inesperados, como Avelino, Fátima, Valentim ou Isaltino.
Gente antiga...vícios e virtudes de sempre. Dos jornais, sem comentários...
Página camiliana sobre as guerras de 1828-1834: O presidente da Junta de Freguesia de Vila Franca das Naves e candidato do PSD àquele mesmo cargo foi morto a tiro, ontem de manhã, por um sexagenário que não gostou de ver o autarca a coordenar a remoção de umas pedras que se encontravam a obstruir uma zona de estacionamento público, mas que o alegado homicida reivindica como sendo um terreno seu
Romance de ficção científica sobre a reforma do Welfare State: Mais de 30% da população portuguesa em 2050 será idosa, revela um estudo do Instituto Nacional de Estatística. Daqui a 50 anos este grupo etário vai duplicar devido à descida dos níveis de fecundidade e ao aumento da longevidade. Em 1960 existiam mais de 700 mil idosos, em 2004 perto de 1.800 mil, prevendo-se três milhões em 2050.
Liberdade, liberdade, quem a tem chame-lhe sua: Quarenta autarcas, dos quais 18 presidentes de Câmara, pediram a reforma à Caixa Geral de Aposentações entre Março e Setembro deste ano.
Heróis do mar, nobre povo:Dois pescadores morreram e três sobreviveram, no naufrágio de uma embarcação de pesca, esta madrugada, ao largo da Praia da Galé, na costa alentejana, depois de Tróia e da zona da Comporta.
Acabei de ter mais uma intervenção como convidado no forum da TSF, sobre a actual crise de polícias, juízes e outras corporações, onde, parafraseando o Sócrates, o de há 25 séculos, declarei que só sei que nada sei. Basta notar o que dizia um antigo ministro de Salazar, quando recentemente apareceu na RTP, a apoiar o actual ministro da defesa contra as reivindicações corporativas dos militares de carreira, que vivíamos em regime de "república sindical" e que esse estado de coisas poderia conduzir-nos a uma espécie de "Estado Exíguo", nessas malhas que o situacionismo tece e os "jobs" entretecem.
Recordam outros ex-ministros de outras eras, mas deste regime, que casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão. Diz-nos o bom senso que a unidade do chamado Estado é apenas unidade na diversidade. Isto é, que o Estado não se reduz ao conjunto dos aparelhos de Estado, ao Estado-Principado, mas antes à soma do Estado-Aparelho com o Estado-Comunidade. Ou, por outras palavras, à relação da sociedade civil com a governação. Porque o Estado não são apenas eles, os que mandam, mas nós todos os que, como cidadãos, temos o dever de participar nas decisões comunitárias. Porque o poder é uma relação entre a chamada sociedade civil e o chamado aparelho de poder, e o poder não é uma coisa que se conquista, com muitos "jobs" para se distribuirem ao "boys", "friends" e "oldmen", mas algo que tem se ser inserido na presente "network structure", numa altura em que até já não há um só Estado, mas vários Estados em confluência, como o real Estado Europeu e o oculto Estado Mundial, naquilo a que muitos chamam partilha das soberanias, interdependência ou gestão de dependências, neste neofeudalismo global.
O que está a acontecer é, pura e simplesmente, a manifestação clássica da nossa incompreensão do pluralismo político, numa terra herdeira de sucessivos absolutismos e autoritarismos, onde se confunde unidade com unicidade, unitarismo, unidimimensionalismo e até se teme que toda a pluralidade seja incompativel com a clássica perspectiva que exige o acesso ao universal através da diferença.
Quando se concebe que o aparelho de Estado seja uma simples federação de ministérios e se continua a manter, na doutoral constituição, a possibilidade de o número e designação dos ministérios depender do decreto presidencial de nomeação de cada ministro, estamos a gozar com o bom senso e atirar para a rua carrada de dinheiros dos contribuintes. Quando mantemos a ilusão de dizer que há secretariados de reforma ou modernização administrativa, salientando que com a próxima, ou presente, comissão de sábios, com o respectivo relatório, é que vai ser desta, estamos a esquecer-nos que o modelo já vem de 1958 e foi desencadeado pelo ministro da presidência Marcello Caetano. Isto é, estamos a brincar ao estadão, à mania das grandezas típica deste Portugal dos Pequeninos, recorrendo a especialistas em árvores e folhas de árvore e a não recorrermos aos especialistas no todo, na floresta, aos necessários especialistas em assuntos gerais que sabem a verdadeira situação do actual conceito de público que não é o contrário de privado.
O Estado, hoje, não é o do tempo do Marquês de Pombal, de Mouzinho da Silveira, de Afonso Costa, de Oliveira Salazar, de Vasco Gonçalves ou da coabitação Soares/Cavaco. Mas a nossa sociedade civil continua a ser uma sociedade de ordens, ferozmente competitiva, em termos de pressão, reivindicação, corrupção e outras nicas.
De certa maneira ainda somos uma sociedade de ordens, onde o velho clero, hoje, se chama Igreja mais maçonaria, mais catedráticos, mais jornalistas e homens de letras, mais investidores na comunicação social.
Onde a nobreza mantém restos de militares, mais juízes e outros magistrados, mais políticas, mesmo os dos secos e molhados, mais médicos, mais burocratas.
Onde o povo, que era da elite dos homens bons, são empresários, mais capitalistas, mais partidos, mais sindicalistas, mais autarcas, estc. E isto num país onde o primeiro presidente da república civil eleito até foi Mário Soares.
Dizem alguns que há condições para um 28 de Maio. Aceito, mas apenas recordo que desde 1921 que havia condições para um 28 de Maio que só chegou cinco anos depois.
Tal como o 5 de Outubro só por acaso é que não foi em 31 de Janeiro de 1891.
Tal como o 25 de Abril devia ter surgido logo depois das eleições de Delgado.
Porque todos os nossos regimes não caíram a tiro, caíram de podre, por sucessivos acasos cómicos ou por revoltas corporativas de caserna. E em 2005 estamos como estávamos em 1890, como estávamos em 1921, como estávamos em 1958. Estamos desencantados. E com saudades de datas mobilizadoras do bem comum, como foram 1385, 1640 ou até 1820, ou como começou por ser o 25 de Abril de 1974, só corrigido em 25 de Novembro de 1975.
Talvez importe começar por deixarmos de "pensar baixinho". Isto é, sairmos da análise da casca de árvore e passarmos a analisar a floresta no seu todo. Sem complexos de esquerda e sem fantasmas de direita. Para bem desta gente antiga que é o povo de Portugal e que talvez ainda tenha vontade de continuar a querer ser independente.
Face a alguns "mails" e telefonemas recebidos, quero declarar, para os devidos efeitos, que continuo monárquico, como sempre fui, mesmo sem autorização dos bobos da Corte e dos aristocretinos. Mas como quero uma república coroada por uma coroa aberta, pré-absolutista, prefiro, antes, reimplantar a república e, se houver referendo, para manter a minha fé monárquica e manuelina, faço como Fernando Pessoa, voto pela república, para restaurar a comunidade de nossa terra.
Apesar de algumas insistências, não será desta que tomarei posição quanto à intervenção de Manuel Alegre na corrida para o arranque das presidenciais, onde quase todos os que até agora se assumiram vivem dos mesmos "slogans" antifascistas, socialistas, laicos e de uma ética republicana cheia de complexos de esquerda, quase iguais à outra face da moeda do mesmo rotativismo, desse sebastiânico candidato da não-esquerda, o tal que já foi da esquerda moderna, social-democrata e bernsteiniano, nada liberal, que, com idêntico pensamento único, ameaça levar de vencida os slogans "expressos" pelos entediantes debates televisivos, onde é o poder estabelecido que define o que é a esquerda e o que é a direita, nesse bailado dos prós e contras do eterno situacionismo, que até põe ministros de Salazar a apoiarem os ministros presentes do mesmo antigamente.
A presente fuga populista, bairrista, fragmentária ou ultra-caciqueira da presente campanha autárquica é uma espécie de mola amortecedora que nos dá a ilusão de podermos manter a presente tirania do "status quo", onde até os os "opinion makers" sistémicos se assumem como uma espécie de grandes educadores das presentes classes mediacráticas. Basta lermos o recente livro de Isaltino, em versão de zanga de compadres para a descoberta das verdades.
Por outras palavras, se os isaltinos, valentins, fátimas, avelinos e quejandos vencerem, enchendo o "contenente" de ternas imitações de Alberto João, eles serão as bolhas de oxigénio que ainda darão alguns sinais de vida à esclerose típica da matura-idade mal agilizada que marca os meandros do presente sistema político da chamada III República, onde nem sequer reparamos que Sócrates é o Primeiro-Ministro da única maioria absoluta de esquerda que até hoje tivemos.
Neste enredo, cada vez mais romance de cordel, entre autárquicas e presidenciais, mesmo a chegada de Alegre pode levar a que Soares dê um golpe de rins e batendo o seu pèzinho ao ritmo do samba trate de roubar o discurso de Cavaco Silva, assumindo-se, não como o representante do "povo de esquerda", mas antes como o representante do "povo nacional", onde a maioria dos votantes não se assume como desta esquerda ou desta direita.
Por mim, que sempre fui de direita e sempre fui do contra, sou tanto da direita a que chegámos que até estou disponível para votar num candidato de esquerda, dado que nunca passarei um cheque em branco ao pai autêntico deste cavaquismo que nos enreda e destes restos salazarentos que me fazem repudiar o presente situacionismo, onde Sócrates é, cada vez mais, uma mera bissectriz de um paralelograma de forças.
As candidaturas autárquicas que estão em curso, envolvendo dezenas de milhares de portugueses, não podem confundir-se com as redes de canalização dos aparelhos e dos hierarquismos partidários e, muito menos, com os casos mais mediáticos de rebeldia. Não podemos confundir certas árvores com a floresta, nem transformar algumas ressequidas folhas do todo no bode expiatório daquilo que começa a tocar as raias da anarquia mansa e da própria ditadura da incompetência.
Ora, neste ambiente decadentista e diletante, poucos têm a coragem de dizer em voz alta o que todos vão comunicando em surdina uns aos outros: que a partidocracia é uma erva daninha que está enredando as boas energias cívicas da militância partidária, dos combates doutrinários e ideológicos e da própria essência da democracia, enquanto real participação dos cidadãos nas efectivas decisões comunitárias.
Os presentes líderes partidários, desde o que foi nomeado presidente de uma universidade privada, autarquicamente dependente do favor que lhe fez o autarca que ele agora saneou, a todos os outros, que foram elevados a líderes pela barganha dos caciques autárquicos que agora criticam, não podem aparecer como os bons de uma fita que sempre assentou na inveja igualitária e no jogo dos influentes e patos bravos.
Daí que o episódio Fátima Felgueiras deva ser inserido num contexto onde ela não é a tal andorinha que não nos anuncia a primavera, dado que está apenas em causa a ineficiência de um sistema, onde não conseguimos conciliar o Estado de Direito com o Estado-Espectáculo, da mesma maneira como a partidocracia não tem que se identificar com a democracia representativa de base partidária, nem o neo-corporativismo que confundir-se com a autonomia da sociedade civil.
Estamos a assistir a uma fragmentação, não da unidade e da autoridade do Estado, mas à simples aplicação de uma lei mal feita, atirando para cima das polícias e dos magistrados uma imagem de mera boca que pronuncia as palavras da mesma, esquecendo-nos que, num verdadeiro Estado de Direito, a lei tem que estar abaixo do direito e o direito tem que estar abaixo da própria justiça.
Infelizmente, continuamos a ter que administrar a justiça de acordo com o princípio da velha legalidade dos autoritarismos e dos absolutismos, onde até a tortura podia ser legalmente permitida, não admitindo a existência de leis injustas. Como se a unidade do Estado fosse o mesmo do que unidimensionalidade e autoridade equivalesse à proibição do pluralismo.
Nestas ocasiões, julgo ser prudente voltar a estabelecer-se o diálogo directo com o eleitorado, não reduzindo as presentes manifestações do nosso justo direito à indignação a certo conceito burguês e capitaleiro de populismo. Não alinho, portanto, com algumas pretensas indignações de certos “opinion makers” sistémicos que não conseguem captar a circunstância de as manifestações felgueirenses de apoio a Fátima traduzirem a mesma revolta, talvez mal canalizada, que leva à resistência contestatária de magistrados e até de militares de carreira.
Basta recordar o que ainda há uns tempos dizia Mário Soares quando falava em estarem criadas condições para um movimento similar ao 28 de Maio. O facto de ser tecnicamente impossível um golpe de Estado nas presentes condições de tempo e de espaço, não nos deve desleixar. Assumíamos aliás uma postura semelhante a certos interesses que se arrogam em privilégios injustos só porque sabem que já não há condições para um partido como era o comunista poder desenvolver um processo de subversão do Estado.
O problema da democracia está na circunstância de começar a não haver povo em sentido político. Aquilo que alguns ministros do Antigo Regime, feitos filósofos televisivos do actual estado mental a que chegámos, qualificam como uma vaga de “república sindical” anunciador da chegada definitiva do “Estado Exíguo”, talvez seja mero aviso a uma navegação política desleixada que, lavando as mãos como Pilatos, não compreende que quando se qualifica Fátima como a nossa “Lady Di” se está apenas a emitir um certificado de crise global da sociedade e do Estado.
E não me parece conveniente que se atirem as responsabilidades para cima de um administração da justiça que apenas pode aplicar leis que foram feitas para outras circunstâncias, quando se reduziam as denúncias da corrupção a mera música celestial e se mantinham as inspecções às autarquias como simples papelada que um qualquer secretário de Estado podia arquivar, guardando na gaveta o que devia ser obrigatoriamente remetido ao Ministério Público.
O problema talvez não esteja na eleição ou não eleição de Fátima ou nas eventuais deficiências da instrução do processo em que é arguida. Valia mais fazermos meia dúzia de investigações politológicas sérias que inventariassem os reais processos de financiamento partidário, o elenco dos grupos de pressão e de interesse que interferem no modelo autárquico, nomeadamente das empresas de consultadoria e prestação de serviços que globalmente se distribuem pelo terreno, conforme as simpatias partidárias das três centenas de autarquias.
(passagem a texto de reflexões emitidas no forum da TSF da anterior quinta-feira e que amanhã serão publicadas em "O Diabo"; com homenagem a um colega falecido, meu antigo adversário político, que teve razão antes do tempo...)