Contributo de palavras do mundo: ou a arte de por elas nos sabermos avizinhar. Recebido de M. Teresa Bracinha Vieira
Em relação à minha surpresa, ao ler no tempoquepassa “ Os homens e as mulheres”, devo repetir como Montaigne: “Não me venham meter ao mesmo nível essoutras amizades comuns!”
É assim, quando o nó da amizade está atado, que ninguém se intrometa a nutrir desconfiança. Será só inveja por nunca terem conseguido algo semelhante. Dizia Léon Bloy que o importante não é sofrer é ter sofrido. Acrescento que para certas pessoas de espírito atento, o importante não é explicar pois que basta um entreabrir de percepções.
Desde há muito que circula pelas minhas mãos um entendimento que não consigo explicar ao mundo e, às vezes, ele surge na percepção de um relâmpago de uma atenta amizade.
Também se afere uma sensibilidade se acaso alguém pega nessa pequena mão de palavras sustentadas por um lápis de carvão e, coisa extraordinária, recupera-as como herdeiro de uma biblioteca por ler.
Não nego que fiquei surpresa hoje ao ver o tempoquepassa. Creio que era Aristóteles que afirmava que os bons legisladores cuidaram muito mais da amizade do que da justiça.
Em honra da liberdade de sentires entre homens e mulheres e contra a tirania da cegueira das finalidades ou interesses ou espécies de afectos, observe-se como um pintor, ao serviço do amor, faz a sua obra com todo o seu talento, e o espaço vazio em redor, no preciso local onde caberia uma moldura, um escritor desenha-a com palavras e ambos penetram com notável coragem contida, nos olhos de alguém que também sem luz sabe ler. Esse alguém, sabe que Horácio disse : “Termina em peixe uma mulher formosa na parte superior”.
Digo que sempre e afinal a alma mantém em si uma acutilante força para se reconhecer. Assim compreendessem os homens, de uma vez por todas a miséria da sua condição. Gente viva e aflita e lúcida mas sem meios de se exprimir em força, mais me parecem todos os que são enviados para o patíbulo de língua cortada, espécie de morte que só se aceita lutando e desde que para ela se vá de rosto imperturbável e grave e de olhos avizinhados ao sorriso.
Os vis soldados-algozes destes tempos não merecem deuses propícios à sua libertação. Quanto muito libertam-se-lhe os corpos, mas nunca imaginarão o poder de um lápis de carvão e uma mão cheia de palavras de um poeta, no imortalizar de um instante não visto, nem apercebido, mas que corre por si mesmo em direcção ao Ser que imortalizam.
Pois bem, não tenho nenhuma dúvida que o meu juízo esteve sempre certo. Nem mesmo se enganou quando Arpad cuidou de um acto de escrita de Vieira da Silva, sua companheira na rapidez da vida.
E cada um só será o que souber observar de perto.
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