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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

3.11.05

Este glutão bloqueiro-centralista que nos vai sanguessugando...



Há noites de triste chuva e alegre companheirismo que não nos deixam assistir à derrota do Benfica, à entrevista de Soares à TVI ou às estórias sobre um tabuleiro de xadrez, por causa de uma busca domiciliária a um dos principais políticos portugueses, ainda por cima do partido que está, neste momento, no poder parlamentar e governamental. Coisa que, se revela a independência dos meios de investigação judicial, também pode acarretar mais um enorme rombo no prestígio das instituições e do Estado de Direito. Porque a lentidão dos chamados processos de administração da justiça pode atirar para o dia de São Nunca Mais a clarificação de um processo, onde se misturam aparelhos partidários e firmas de construção civil.



Por outras palavras, corremos o risco de transformar toda a classe política num conjunto de suspeitos, sob investigação policial, com diários comunicados do Procurador-Geral da República e a consequente má imagem de políticos, magistrados e advogados, aliás, as classes profissionais mais detestadas pela opinião pública, segundo recente sondagem. E até não bastam as habituais intervenções mediáticas de certos magistrados, ditos especialistas em corrupção, onde muitas vezes se confundem qualidades profissionais com anteriores militâncias na extrema-esquerda, noutras eras, só porque os principais fazedores de opinião, recrutados pelos novos capitalistas, também são originários dessa fatia de militância marxista-leninista-estalinista-maoísta.

Paradoxalmente, também é de muita fauna dessa estirpe que continuam a ser recrutados destacados pensadores das comissões de honra anibalista e marista, assim se demonstrando a pouca largueza de horizonte deste quintal do pensamento que marca a pátria. Porque, qualquer dia, os debates entre a esquerda e a direita a que chegámos quase se enredarão nas disputas freudianas dos revolucionários frustrados.

Os pantanosos interesses mentais deste centrão rotativista continuam a lançar-nos abstractas tenazes de uma direita menos e de uma esquerda mais ou menos, onde qualquer intelectual tem o sonho de ser chamado ao "prós e contras" para debater a qualidade da democracia com antigos ministros de Salazar, ou de ser chamado pelos viscondes da Anadia e de Balsemão ou pelo patrão da Olivedesportos para nos produzirem o tédio empaturrante e já pouco digerível deste mais do mesmo.



Isto é, os sistemas indirectos de controlo do pensamento com que as tenazes do situacionismo nos querem amarfanhar não nos deixam dizer que o Portugal dos homens livres não coincide necessariamente com a soma das ilustres personalidades que integram as comissões de honra de Cavaco e de Soares. Aceitarmos esta prisão dos irmãos-inimigos que querem continuar a propagar os tentáculos situacionistas do rotativismo, transformando as alternativas sistémicas das "cassettes" e "CDRoms" dos jerónimos e louçãs em viagens sem tempo nem espaço é frustrante. Tal como levam à impotência as navegações mentais pelas brumas da teoria da conspiração ou da análise da técnica do golpe de Estado. Para que tudo continue com o quartel-general sem ser em Abrantes.

Da mesma ilusão suporífera padecem os que se entretêm com a mania de uma República de Juízes, susceptível de uma grande operação mãos limpas, capaz de destruir os mecanismos partidocráticos. Ou os que chamam De Gaulle a um qualquer general confundindo a pose com um colectivo de oficiais desactivados que se enfileiraram nas comissões de honra dos presidenciáveis.

Mesmo entidades espirituais nos podiam continuar a difundir a esperança, desde a maçonaria, com as suas plurais lojas, à igreja tradicional com as suas benzidas capelinhas, congregações, ipss e sacristias, ei-las que quase declaram a respectiva cedência ao oportunismo de permitirem a diluição dos respectivos veneráveis e venerandos nas mesmas lista de honradarias.



Três décadas volvidas, nesta democracia de processual sucesso, assistimos ao vivo e em directo aos mesmos mecanismo decadentistas deste lastro de cinzentismo cobarde que tanto destruiu a revolução liberal, de que a Primeira República foi o estertor, como a ilusão de revolução autoritária, dita nacional, mas que apenas era antiliberal, onde a personalização salazarenta do poder foi uma solene e retórica declaração de impotência.



Porque a salazarquia, que dizia ter "uma doutrina e uma força", quando se insurgia contra a "fina flor da plutocracia" de certos possidentes republicanos, apenas foi um mero regime de "feitores de ricos", neste glutão bloqueiro-centralista que, pela penumbra, vai sanguessugando as energias de antigos revolucionários verbalistas. Aqui e agora, o crime continua a compensar se prescrever pela dilação processualista, onde, muitas vezes, os aparelhos estadualizantes permanecem como os tais cães de guarda de uma propriedade que começou por ser mera detenção devorista.