a Sobre o tempo que passa: Direito, blogues e Do Portugal Profundo

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

29.10.05

Direito, blogues e Do Portugal Profundo



A propósito da minha participação como testemunha no julgamento de António Balbino Caldeira no Tribunal de Alcobaça, notei que vivia uma inédita e pioneira chegada do judicialismo à blogosfera lusitana. Tive de concluir que quem passa por Alcobaça, não passa sem lá voltar e reparei que um blogue é esse fio que liga um indivíduo ao espaço supra-soberano da cidadania universal, onde o imediatismo de um clique participa naquele espaço de etérea mudança que torna este meio de comunicação incompatível com as regras da agulha que cose os processos feitos de acordo com a ciência de que foi mestre José Alberto dos Reis.


O blogue pertence sempre ao império do efémero, onde só é novo aquilo que se esqueceu, onde só é moda aquilo que passa de moda e onde, na prática, a teoria é outra.



A blogosfera é um universo íntimo de desabafo, situado, como meio de comunicação inter-pessoal, num círculo pré-político. Um espaço que, saindo do doméstico, não pisa as raias dos controlos da cidadania nacional, não fazendo parte da ciência dos actos do homem como membro do Estado, mas da ciência dos actos do homem como indivíduo. É matéria que só pode ser verdadeiramente regulada pelo consenso daqueles, que praticando blogues, pensam e agem de forma racional e justa. Porque neste espaço de homens livres, não há leis, nem polícias, nem tribunais, nem prisões, onde deveria estar plenamente em vigor o princípio da subsidiariedade, dado que tem a ver com a pluralidade de pertenças cidadânicas, onde uma comunidade de ordem superior, como é o Estado, não tem que interferir na esfera de autonomia de uma comunidade de outra natureza.



Julgo que na lei portuguesa só incidentalmente existe uma ideia de blogosfera, pelo que a analogia com os meios de comunicação social pode levar a pouco adequadas interpretações extensivas, dado que um blogue nem sequer pode equiparar-se a um jornal electrónico. Logo é muito difícil que o teatro do mundo judicial penetre nestes universo. No mundo processual, há uma sobre-vida, com sobre-homens, sobre-factos e sobre-linguagens, pelo que é extremamente complexa a boa intenção de se aproximar o direito da vida e da verdade, bem como as subjectividades analíticas daquilo que deve ser a objectividade da justiça. Logo, sempre poderei dizer, como Fernando Pessoa, que se o Estado está acima do cidadão, também não deixa de ser verdade que o Homem está acima do Estado.

E mais não posso dizer, obrigado que estou obrigado ao chamado segredo de justiça, neste ambiente de triste balbúrdia e de mesurado intervencionismo, em que vamos decaindo, esquecidos que já estamos das eleições autárquicas, neste dia seguinte à greve dos magistrados e de muita memória curta, quando Pedro Santana Lopes regressou ao comentarismo político, depois de estarem lançados os principais dados da corrida presidencial da história recente da nossa democracia.