Entre o socialismo de consumo e o liberalismo a retalho
O pequeno tsunami de Santa Apolónia, provocado pelo rebentamento de uma conduta da EPAL, demonstra como Lisboa é uma cidade que não foi bombardeada pela Segunda Guerra Mundial. Aliás, a própria tubagem que faz circular o que importamos da barragem de Castelo de Bode para as torneiras, talvez ainda venha da monarquia liberal, quando a Companhia das Águas Livres era dirigida por um conhecido miguelista, também chefe do partido legitimista, pelo que é de investigar se não anda por aí o dedo de um qualquer fantasma do Remexido, contra a restauração do cabralismo que se pronuncia, transformando os ordeiros, esses traidores do setembrismo, numa nova ditadura do "status quo".
E assim se conglomera em fusão o situacionismo pós-revolucionário com a imagem salvífica de um neofontismo, o que levou Mário Soares a ter que fingir que ainda era o Duque de Loulé contra a canalhocracia, e com Eanes a não caber no manequim de Saldanha e a nem sequer ter oitenta anos, como D. João VII em 1870. Só que o António Bernardo que nos oferecem não parece ser grão-mestre do GOL nem do Opus Dei, apenas tendo que se preocupar com os rendimentos auferidos das reformas da Universidade Nova de Lisboa, da condução do país em São Bento e das consultas que dava ao Banco de Portugal.
Enquanto isto, os consumidores lusitanos são os que menos poupam em todo o mundo estudado, ao lado dos norte-americanos, talvez por sermos o povo mais desmoralizado da Europa, de acordo com o Eurobarómetro e as apostas no Euromilhões, para quem também somos os que mais apoiam a quase defunta Constituição Europeia. Talvez por também sermos o povo mais socialista do Ocidente, assim entalados entre a social-democracia do PSD e o socialismo democrático do PS, agradecendo ao PREC o crédito para habitação, da banca nacionalizada, nossa. O que também permitiu que nos confirmássemos como ferozes proprietaristas hipotecados, em nome da nossa rica casinha, com quintal para a horta, esse seguro necessário contra a hipótese de falência do Estado-Ladrão, donde alguns querem despedir 250 000 funcionários públicos, subsidiando a retirada do mostrengo com a venda das reservas de ouro do Banco de Portugal.
Aliás, todas as grandes fortunas que vieram da pós-revolução, nesta terra de cegos, onde quem tem olho é rei, fizeram-se graças a esse misto de socialismo de consumo e liberalismo a retalho, típico de uma certa economia mística que vai socializando os prejuízos e privatizando os lucros, entre corrupção e muita evasão fiscal, segundo a lógica do salve-se quem puder com muito faz de conta. Resta-nos, portanto, abrir o leilão e vender o que resta do país em saldos, com tantos chapéus de côco sobre almas de corsário, mas sem espadas de aço rombo nem pernas de pau carcomidas. Porque o voto tem sido a arma dos ricos, sempre à procura de sucessivos feitores dos ditos, desses que se usam e depois deitam fora.
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