a Sobre o tempo que passa: Pela Santa Liberdade! Entre a rainha Ginga e a Maria da Fonte...

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

27.1.06

Pela Santa Liberdade! Entre a rainha Ginga e a Maria da Fonte...



Não vou falar de Mozart, vou ouvi-lo. E recordar duas outras efemérides: que chegou ao fim a guerra do Vietname, em 1973, e que se deu a revolta portuense de António Bernardo da Costa Cabral, sob o pretexto de Restauração da Carta e da liquidação da ordem desencadeada pela Revolução de 9 de Setembro de 1836.

Digo apenas que, quanto a guerras coloniais, todos os nossos principais parceiros da Europa Ocidental, as sofreram. Só que as acabaram antes de nós sermos obrigado a sofrer as nossas que tiveram a dimensão de super-guerras civis, tanto físicas como ideológicas, principalmente quando a partir de 1965 parte significativa da oposição democrática assumiu o princípio do abandono. Só que nós éramos meras peças de xadrez de outras guerras mais vastas, onde quase todos actuavam por procuração. Até porque algumas das guerras que sofríamos continuaram depois de nós a abandonarmos. E até mais gravosamente.



Só na Guiné é que ela parou, depois de mandarmos para a bolanha uns milhares de homens para colmatarmos os erros provocados pela Casa Gouveia, ou CUF, esse empório que ainda por aí anda, depois do massacre do Pidjiguiti e de se permitir que outros decepassem os dedos para que eles conservassem os anéis, assim se confirmando que o capitalismo não tem pátria, mas apenas cordel. É que a guerra na tal Indochina começou logo em 1945, com a França democrática, da Resistência a enfrentar os guerrilheiros comunistas, tal como sucederia entre nós se Norton de Matos tivesse vencido Salazar em eleições livres.



Já quanto ao golpe de António Bernardo de 1842, há apenas que acrescentar ser o dito, nesse momento, ministro da justiça de um governo setembrista e grão-mestre da maçonaria, depois de ter começado a sua carreira política como um ultra-esquerdista quase republicano, fazendo exaltadíssimos discursos no Clube dos Camilos. Vai, no entanto, sobressair como administrador de Lisboa, nomeado pelos setembristas, onde se destacou como repressor policial das revoltas promovidas pelos seus antigos companheiros esquerdistas.

E subindo na escala das sociedades secretas, agora no poder, chega a ministro durante os governos ditos ordeiros que estavam a destruir o setembrismo por dentro. Será apenas derrubado após uma guerra civil onde se juntaram os restos do setembrismo puro com os restos do miguelismo, primeiro na Maria da Fonte e, depois, na Patuleia. Mas voltará ao poder depois de uma intervenção militar anglo-espanhola, com a orquestração francesa, assim voltando a integrar Portugal, como potência secundária, no esquema do colonialismo interno europeu. Por isso é que os angolanos independentes substituíram a estátua que lá deixámos, da Maria da Fonte, por outra da Rainha Ginga, dois símbolos que até não podem ter existido como os representamos.