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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

25.1.06

Caros palermas, chapéus há muitos e até há os que os não usam e andam de careca ao léu

Foto de Chema Madoz



Porque pátria é uma comunidade de significações partilhadas, importa assinalar, em homenagem aos membros da comissão de honra da candidatura presidencial triunfante, que, hoje, em 1970, no ano em que era anunciada a fundação da SEDES, a associação cívica a que no marcelismo parecíamos ter direito, Ramalho Eanes perfazia 35 anos e Eusébio da Silva Ferreira ainda andava pelos 28, enquanto no ano seguinte, no Uganda, assumia o poder Idi Amin Dada.


Só que hoje, parece que vamos entrar em alerta amarelo, por causa do vento e da chuva anunciados lá para o fim da tarde. Ao que consta, a coisa vem de Sueste, com ondas fortes. Reparo também, através de um directo emocionante da TVI, que uma formidável carga policial atingiu o rabiosque de fervorosa militante de uma associação todos diferentes, todos iguais, que fizeram uma barreira da esquerda revolucionária para impedirem o arrasamento da barraca da ti Adriana, ordenado por uma autarquia socialista. Ainda por cima, a barraquinha ficava mesmo ao lado do minimercado, diante da paragem de autocarro. Entrevistada pelo directo do direito à indignação, a menina Flausina de Bolama e Pegões, a quem o motorista do pai dera boleia, pela madrugada, estava deliciosamente televisionável, com a sua “fashion” retro, à Maio 68, onde não faltava a carantona multinacional do Che, que a titi Jaquina lhe oferecera como amuleto para a defunta eleição presidencial.



Foto de Chema Madoz

Entretanto, o presidente Cavaco prepara-se para assumir Belém, coisa com que me congratulo, apesar de nele não ter votado, porque, pensando com os meus botões, julgo que a dialéctica que ele vai permitir até pode ser um excelente estímulo para a difusão da mentalidade criativa dos Bordalo Pinheiro e de outras caricaturistas políticos e sociais. Seria bem mais dramático que assumisse a presidência um qualquer artista ou teórico que nos impusesse os respectivos conceitos científicos ou modelos dramatúrgicos ou literários, mesmo que eles não tivessem bom-senso ou bom-gosto.

Cavaco tem, pelo menos, a vantagem de não cair no ridículo dessas provincianices, deixando um largo espaço para todos os nossos devaneios criativos, apesar de esteticamente podermos sair beneficiados com outra alternativa. O presidente eleito só costuma usar o chapéu de professor de economia e não é como aquele político que há uns dias anunciou no parlamento que, em anteriores passeios por um certo "dossier" polémico apenas usou o chapéu do Estado e não o de parecerista, consultor ou jurisconsulto, enquanto o outro invocava o chapéu de lente e não de benfiquista, assim se demonstrando que palermas são os que usam um só chapéu sem três bicos. Palermas maiores são os que não usam chapéu e andam de careca ao léu, especialmente em dias de borrasca.