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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

19.1.06

Quanto mais ao Atlântico a alma falta, com tantos colaboracionistas, mais minha alma atlântica se exalta

No dia em que César atravessou o Rubicão, clamando o "alea jacta est", mas quarenta e nove anos antes de Cristo, também nasceu Maomé, mas em 570, antes de Ferro Rodrigues ser eleito líder do PS, em 2002, e de em Portugal, o pós-sidonismo entrar em rodopio, com a tomada de posse do governo de José Relvas, o primeiro pós-sidonista, ainda com ministros sidonistas, enquanto no Porto, num acto de força equivalente ao 5 de Outubro de 1910, era estupidamente restaurada a monarquia que apesar de contar com a participação do heróico Paiva Couceiro ou do coerente Luís de Magalhães, antigo ministro progressista e filho de José Estevão, não passou da má memória da Traulitânia, acabando por também ser derrubada em novo acto de força, desta vez com a vitória do audacioso capitão Sarmento Pimentel. E pronto, lá estou eu republicano e monárquico, simpatizando com os dois lados da barricada e recordando que Luís Magalhães será defendido em tribunal por republicanos do 31 de Janeiro e até por Guerra Junqueiro, tal como depois será o monárquico Afonso Lopes Vieira a refugiar em sua casa, durante as perseguições salazaristas, o tal grande Raul Proença que da biblioteca do seu protector e amigo retirará argumentos para escrever um livro antimonárquico. Porque, como diria Dali, anarquista, mas monárquico, tal como São Tomás explicava na sua unidade na diversidade.

Eram todos desta índole lusitana, do tudo e do seu nada, que punha a amizade acime da politiquice, onde o próprio Vieira tinha começado como anarquista tolstoiano, acabando por escrever a letra do 13 de Maio. Julgo que, nessa altura, altos funcionários do Estado não podiam fazer conferências em funções oficiais elogiando publicamente potências estrangeiras e denunciando quem critica as mesmas e exprime opiniões de política interna. Continuavam o exemplo da monarquia liberal que ia buscar ajuda patriótica ao miguelista Visconde de Santarém, tal como a República fará com o monárquico Penha Garcia, sempre em nome de objectivos nacionais permanentes e não com a engenharia do sindicato das citações mútuas. A Inquisição já acabou, Salazar já está debaixo de um calhau e este tipo de cavaquismo que nos ameaça, mesmo que seja de importação freitista ou portista, nunca entenderá um Paiva Couceiro, um dos primeiros exilados pelo salazarismo, um Basílio Teles, um Guerra Junqueiro, um Luís Magalhães, ou um Lopes Vieira, um Raul Proença, um Sarmento Pimentel ou até um Raul Rego que me contou muitas destas histórias.

Assim, quanto mais ao Atlântico a alma falta, com tantos colaboracionistas que se branqueiam, mais minha alma atlântica se exalta. Caso não tivesse alternativas democráticas e patrióticas dos meus companheiros de luta antitotalitária de 1974-1975, juro que preferiria votar em Jerónimo. Tal como o Pessoa, ortónimo, dizia: se houvesse referendo sobre a forma como vestir a cúpula do Estado, ele que era monárquico, para defender a monarquia, teria que votar pela república. Coisa que também farei no próximo domingo. Porque, à maneira de Passos Manuel, também eu quero cercar o trono de instituições republicanas e considero que antes da esquerda e da direita, antes da monarquia e da república, está a pátria.