a Sobre o tempo que passa: Europeísta apetece voltar a ser, em tempo de homens de pouca fé

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

24.3.06

Europeísta apetece voltar a ser, em tempo de homens de pouca fé



Os donos estaduais da Europa a que chegámos estão concentrados em Bruxelas, na dita cimeira da Primavera, dizendo discutir a actualização da estratégia para o crescimento e o emprego, bem como a definição dos objectivos de uma futura política energética comum. Com Chirac mais preocupado com o CPE e Berlusconi, mais mobilizado pela pugna eleitoral, não consta que tenha sido chamado à conferência Patrick Monteiro de Barros, até porque a Bielorrússia ainda mantém o KGB.

Preferia que a nossa democracia deixasse de fingir que é hipocritamente universal, que ela reconhecesse que os permanecentes subsistemas de medo dos modelos pós-totalitários só poderão se extintos com o necessário tempo da mudança cultural. E à democracia, a Rússia e a Pan-Rússia da união eslava, estão a demorar a chegar. Felizmente ainda não regrediram. Como aconteceu na Pérsia.

É preciso dar tempo cultural e educacional ao tempo do frenesim político e económico. A liberdade não se faz por decreto nem pela lógica de expansão dos hipermercados. E sempre prefiro a Rússia de Putine à China dos bonecos de cera. Quem viveu pós-autoritarismos, sabe de experiência vivida que só há consolidada democracia no Estado se ela assentar na democracia da sociedade civil feita de homens livres. Semeemos estes que aquela chegará, em paz.

Voltando à Europa deste lado, mas que já chega às fronteiras da Ucrânia, reparo que o nosso destino depende de continuarmos a ter esperança nesse espaço civilizacional que vai do Atlântico ao mais além do Ural. Mesmo que recuemos para melhor consolidarmos os passos que, com força moral, pudermos amanhã dar. A Europa do Imperador Valéry já foi. A Europa que aí vem, a do "oui par le non", exige mais do que os propagandistas subsidiados pelos eurocratas, em campanhas de "marketing" eleitoral.

É nestas alturas que volta a ter sentido assumir-me como europeísta. Como nacionalista do "dividir para unificar", à maneira de Rougemont. Como federalista das geometrias variáveis, típicas da complexidade, contra jacobinos e empregados de Bismarck e Napoleão. Tenho que voltar à minha agenda azul.