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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

25.10.06

Regresso à soberania, governo dos espertos e lixo processual...

Sim! Acabou a crise, Paços de Ferreira vai candidatar-se a capital europeia do móvel, graças ao recrutamento de um reforço sueco e voltámos à normalidade de chamarmos apenas gatunos aos árbitros de futebol, nestes dias que precedem o confronto entre dragões e águias. Voltámos de tal maneira à normalidade que até vamos referendar o aborto, dito IVG, com o CDS a renascer das cinzas do esquecimento, pedindo apoio à falange clerical e à Ordem dos Médicos. Sim! Acabou a crise e isto ainda é um país de valores absolutos que até aproveita os restos de soberania de que dispõe para proibir dentro das fronteiras o que é permitido em Espanha, ali mesmo em Badajoz, na Clínica dos Arcos.

Torna-se, portanto, imperativo que, para efeitos de defesa da gravidez se fechem as fronteiras: que nenhuma mulher pise o risco da fronteira ou entre num avião sem que antes faça um testezinho de procura do seu estado, através de umas gotinhas de chichi!


Sim! Acabou a crise. Os grandes e médios partidos, isto é, todos os que têm representação parlamentar não cumpriram a lei que editaram há pouco sobre o respectivo financiamento. Para quê? Princeps a legibus solutus, quem manda não está sujeito à lei que ele próprio faz, o Estado são eles e as leis que eles emitem apenas são para os selvagens dos outros, dos pequeninos que ameaçam entrar na concorrência e que é preciso garrotar. A classe partidocrática instalada é um clube fechado, sujeito àquilo que Hannah Arendt qualificava como o governo dos espertos, onde impera o acaso e o arbítrio do aplicador da lei, nestes tempos de elefantíase legiferante e daquilo que o recém empossado presidente do STJ qualifica como lixo processual.

Sim! Acabou a crise, metade dos processos dos nossos tribunais são entupimentos de causas de fotocópia, ao serviço das grandes empresas contra os pequenos devedores, nesta luta dos David, do enquanto o pau vem e vai folgam as costas, contra os Golias, das grandes corporações dos gestores públicos e dos contratos de adesão, onde todos somos iguais, mas há sempre alguns que são mais iguais do que outros.

Sim! Acabou a crise e não tardará que a política entre no nível da futebolítica, com uma opinião pública fragmentada por sectarismos, bairrismos e clubismos, com muitas destas insinuações onde as montanhas sonoras dos picaretas falantes apenas costumam parir uns ratinhos cheios de muitos apitos processuais, para que tudo continue como dantes, mas já sem quartel-general em Abrantes. Por favor, onde fica o exílio! Volta Santana Lopes, estás perdoado! Volta Paulo Portas, as forças armadas estão à espera de reequipamento! Anda cocaína na costa...