De novo o Brasil. Novas reflexões à distância...
Alckmin preferiu o jogo táctico de fugir com o rabo às frechas dos contendores e tratou de desviar todos os ataques ao sistema tucano, tanto pela defesa que fez do legado de FHC, como pelos exemplos de boa gestão que apresentou como governador de São Paulo. Infelizmente para ele não conseguiu mostrar carisma, não vendeu ideologia e não clamou contra o fim da história. Preferiu acentuar a imagem do bom gestor, conhecedor de "dossiers", quase demonstrando que não vai ter êxito presidencial.
Por isso comoveu a prestação de Buarque, o velhote idealista, que leu a cartilha dos valores da democracia, à maneira dos velhos regimes de príncipes, sempre a proclamar princípios e a desenvolver teorias experimentadas, especialmente quanto às medidas que propôs para o combate à corrupção, utilizando desta um conceito alargado, nomeadamente quando considerou que a própria gestão que o governo tem feito da bolsa-família se insere no esquema. Porque tanto serve para criar dependência, como não elimina a própria pobreza, dado que apenas serve para matar a fome sem ensinar a pescar, isto é, sem permitir um desenvolvimento sustentável. O que só seria possível pela revolução da educação e pela aposta na criação de centros de ciência e tecnologia, a fim de serem possíveis situações como as da Embraer, hoje o maior exportador brasileiro.
Lula não foi ao debate. Ele sabia que a imagem de pai dos pobres, herdada de Getúlio. tem apenas como adversário o próprio lulismo e a consequente erosão do poder, para o que elege sempre como principal adversário o tucanismo. Ele sabe que o seu prestígio lhe vem dos milhões de famintos que alimenta, mesmo que faça mais caridadezinha estadual do que justiça. Ele sabe que tem com ele a classe média baixa e maioritária, a quem não tocou na bolsa. Manteve pragmaticamente a estabilidade cambial e o programa de luta contra a inflação, em aliança com o sistema financeiro e sem a hostilidade agressiva do associativismo empresarial, ao mesmo tempo que acalmou sindicatos e adormeceu o MST, que se tem entretido, graças a gossos subsídios estaduais, a fazer uma massificada formação de quadros, preparando a passagem a futuro movimento político, sem sabermos ainda se o fará de forma institucional e pluralista, ou, então, através de um processo subversivo ou revolucionário.
A grande mancha do lulismo está na corrupção, que se transformou em torrente, ao mesmo tempo que é manifesto o alastramento da incompetência, sobretudo a nível dos altos quadros da administração pública, dado que, ao enxamear-se a máquina de comissários políticos se desestimularam os que apenas reclamam direito à carreira. E assim foi crescendo uma máquina gigantesca que se tornou na principal devoradora dos contribuintes.
Julgo que o sistuacionismo lulista, apesar de tudo, se vai aguentar. A situação económica internacional tem-lhe sido favorável e o povo continua entretido com uma espécie de continuação do menos mal dos remediados, nomedamente pelo acesso à classe média de três milhões de pessoas, dando esperança aos setenta milhões que permanecem na situação técnica de pobreza.
A subida de Lula ao poder, perante a decadência tucana, deu ao Brasil a hipótese acabar com uma larga mancha de esquerda utópica e messiânica que ainda não tinha tido a oportunidade de gestão do poder e, portanto, padecia de algum irrealismo programático. Julgo que Lula teve o mérito de dar à democracia brasileira uma maior base social de apoio e o regime passou a ser efectivamente de todos, sem agressivas exclusões, ao mesmo tempo que surgiram sucessivas quedas dos anjos. O PT já se social-democratizou e passou a alinhar na grande turminha dos blocos centrais, ao mesmo tempo que Lula foi ganhando respeitabilidade na cena internacional, onde, sem ascender à dimensão de um Mandela, soube distanciar-se do espectáculo de demagogia das republiquetas das bananas, onde muitas comédias podem redundar em tragédia.
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