a Sobre o tempo que passa: Uma questão de camisolas... e outras chinesices

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

2.2.07

Uma questão de camisolas... e outras chinesices



Sob o signo de Perugino (Pietro Vannuci, 1450-1523), foi sob a protecção da Prudência e da Temperança, com o nome de Sócrates no painel, que os representantes governamentais da pátria portuguesa peregrinaram na China , para se mostrar a camisola de um país moderno. Se ficou célebre o aproveitamento que a Microsoft fez da imagem do nosso presidente na visita à Índia, verificámos agora o lapso que os assessores de imagem de Sócrates tiveram, na corrida matinal do nosso Primeiro-Ministro, pondo-o com uma camisola confortável da mesma multinacional que fabrica os equipamentos peitorais dos nossos seleccionados do futebol, nessas malhas que a globalização tece e que ardem sem se verem.




Não sabemos se as sapatilhas da comitiva são da mesma marca, mas tudo acabaria mais prudente e temperado se concluíssemos que ambas são "made in China" e comercializadas pelas "Chinatowns" das nossas "lojas dos trezentos". Seria mais eficaz, em termos propagandísticos que a corrida se fizesse com uma qualquer marca lusitana, mesmo que fosse em regime de "franchise", embora tudo acabasse por ser mais castiço se se optasse pelas vestimentas dos campinos do Ribatejo, em homenagem ao antigo porteiro do Hotel Lisboa de Macau. Julgo que esta "gaffe" é bem mais curiosa do que a nota pé-de-página do discurso do ministerial professor Manuel Pinho e tão grave quanto ao erro dos castelos nas bandeiras que importámos para a campanha de Scolari e que muitos ainda conservam nas janelas e varandas.



De qualquer maneira, concordo que a camiseta de Ronaldo se misture com jogos de computadores e que esta forma de diplomacia económica e venda de imagem seja activada, à semelhança da ofensiva de Cavaco na Índia, mas desde que se mantenha a tal temperança e a tal prudência que costumam ser inimigas da propaganda doméstica, que logo as qualificam como históricas. É evidente que gostaria bem mais que o nosso Primeiro-Ministro conseguisse, de Pequim, a realização conjunta de um filme que tivesse como guião a "Peregrinação" de Fernão Mendes Pinto, mas compreendo este esforço de ligação feita por Belém e São Bento a duas potências que representam quase metade da humanidade e com as quais fomos pioneiros na abertura das portas do diálogo de culturas, onde a aventura sempre chegou casada com o pragmatismo. Julgo que ninguém se preocupa com a circunstância do principal concessionário dos nossos casinos também ser um dos principais investidores de actividades idênticas na Coreia do Norte. Nem por isso o porco doce se torna indigesto...






Não é por causa do equívoco das camisolas ou do discurso de Pinho que chegou o momento de se cumprir a ficção de Voltaire sobre Sócrates, dado que o nosso, que é zé e tudo, não parece ter sido comandado à morte por um modelo político onde a religião era parcela da política. Julgo que as relações internacionais não se medem pelo concurso dos grandes portugueses, nessas habituais lamentações liliputianas do Portugal dos Pequeninos com a mania das grandezas, mas seria bem mais prudente e temperado que não usássemos canhões para atingirmos objectivos com a dimensão das moscas, como parece transparecer de alguns discursos dos que quase nos impediriam de termos relações com Pequim por causa da questão dos direitos humanos.

Os putos são bem esquisitos. Não entendem que Sócrates em chinês se diz Confúcio, o tal santinho que os nossos jesuítas puseram no altar das igrejas católicas do Império do Meio, levando Roma a impedir a conversão do Imperador, quando tudo parecia celestial. Porque enquanto os chineses passeiam os pássaros e comem cãezinhos, nós preferimos passear o cão e comer passarinhos. Aliás, quando chegámos à China, eles espantaram-se com os nossos pendentes pilosos e criticavam a circunstância de comermos pedras (o pão) e bebermos sangue (o vinho). Hoje já comem pão, sem terem abandonado as massas, já gostam de pastéis de nata e fazem excelente vinho. Vale mais bebermos todos uma taça de chá e recordarmos que foi uma portuguesa que passou a moda do "tea" das cinco, quando outras eram as "tias" e os camilos pessanhas e Sun Yat Sen era iniciado na maçonaria em Macau.