a Sobre o tempo que passa: O plágio da era pós-ideológica e o fim do beatério democristão, com fins de semana em Odemira

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

23.4.07

O plágio da era pós-ideológica e o fim do beatério democristão, com fins de semana em Odemira

Nova semana, vida velha, depois de Mário Soares já criar factos políticos, depois de Portas vencer Ribeiro e Castro, depois de Santana Lopes ameaçar regressos, depois de Manuel Monteiro dissertar sobre o que deve ser a direita, depois de Sarkosi e de Royal, entre o "sonho francês" e o "patriotismo republicano". Hoje fixo-me em Portas. Porque 5 642 pessoas o escolheram como novo líder de um novo ciclo velho, face ao renovado PP que volta a deixar de ser CDS. Isto é, o ritmo das directas partidárias está cada vez mais parecido com o fulgor eleitoral dos grandes clubes de futebol, onde até as claques juvenis são a maioria dos sócios.

Portas reassume assim um estrelato idêntico ao de Pinto da Costa, Luís Filipe Vieira ou Soares Franco, sem necessidade de passar pelo exame das discursatas e golpadas de corredor dos velhos congressos, com as suas barganhas de notáveis de província, à espera de um lugarzinho nas listas para deputados. Em vez de um fim de semana com mil militantes num hotel de três estrelas, eis que, dos ditos 44 000 000 inscritos, apenas uma visita às urnas de cartão de 7 563 votantes. Por outras palavras, um dos cinco maiores partidos portugueses mostra assim, perante a opinião pública a sua efectiva dimensão de paróquia, principalmente quando abandona os níveis metafisicamente representativos e se dissolve num populismo sem espectáculo de luzes e balõezinhos.

Daí que tenha perdido brilho o discurso dito de vitória, onde se proclama o "espírito de conquista" e a promessa de construção de "um grande partido de centro-direita". Daí que só alguns guardadores de slogans tenham reparado que a novidade de Portas seja uma repetição de um tópico emitido, há um quarto de século, pelo social-democrata sueco, Olof Palme, sobre a era pós-ideológica. Coisa compreensível depois da derrota dos católicos no referendo do aborto e do esmagamento do beatério democrata-cristão de Zé Ribeiro e Castro, apesar dos entusiásticos apoios recebidos da ala hindu e de certos neoconservadores.

Logo, Portas prefere os conceitos indeterminados e a cláusula geral de um vazio doutrinário, mas sem ousar um apelo à costela liberal. Fica-se pela encruzilhada de uma personalização do star system e pela repetição do agenda setting, rivalizando com Maria José Nogueira Pinto na mobilização blogueira dos neocons e neolibs da revista Atlântico e dos blogues satélites. Zé Castro ficará no combate pela boa ideia de Europa, citando Bento XVI e caminhando, como homem só, pelas ruas desertas de Odemira. Só que, na TVI, já não manda o Zé Eduardo nem a Manela, mas um cardeal republicano, laico, hispanista e socialista, enquanto a SIC tem problemas de facturação e apoiará, invitavelmente, o próximo estrelato do PSD. Nada de novo, na frente Sudoeste deste flanco do europês, onde manda cada vez menos a Conferência Episcopal Portuguesa, já sem direito ao seu Centro Católico Português.