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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

2.5.07

Pelos meus filhos e os meus alunos de hoje, continuo do contra, mas com saudades do futuro...

Dois de Maio, madrugada de mais um dia de Primavera, ainda com restos de frio e chuva, sem que os pirilampos nos visitem, sem que a amenidade nos permita ver que as papoilas já vencem as verdes ervas dos valados. As notícias nos poluem, especialmente as da campanha eleitoral da Madeira, quando a democracia e todo um povo são instrumentalizados pelas guerrazinhas de homenzinhos que transformam o sufrágio num instrumento de justificação da personalização de um poder que tem medo de ser posto em causa pelos autores de sátiras, a quem demonizam, como fascistas, comunistas ou cubanos, ao pior estilo dos reaccionários da sacristia que pensam monopolizar o púlpito da demagogia, para que todo o peso do situacionismo se confunda com um dos actores em cena, transformando o enredo da institucionalização de conflitos no seu próprio monólogo do vaqueiro.

Porque ontem, dia 1 de Maio, regressaram todos os nossos fantasmas totalitários do século XX. De um lado, duzentos militantes que se assumiram como nacionalistas com "slogans" de um regime que também foi socialista, em "Der Arbeiter", mas sem pouca "alegria no trabalho". Do outro, os sons da memória de um comunismo, preso pelas tenazes do sovietismo e das marchas de Cuba, e agora desperto pelo calor guerrilheiro de Hugo Chávez, muito bolivariano e guevarista, enquanto o cinéfilo Portas, no calor da sua imaginação discursiva, acabou por inventar uma frase que já estava inventada ("o trabalho liberta") e que se tornou célebre nos campos de concentração hitlerianos.

É evidente que Portas, que tanto gosta de invocar o maçon Churchill, é o exacto contrário do modelo adolfiano. Só que caiu na ratoeira madeirense, posta em delírio pelo activismo imaginativo da família Baltazar, a quem louvo a coragem de ter gerado o revelador da verdade desse populismo inauguracionista de vivório e foguetório, que mancha as nobres tradições do partido de Francisco Sá Carneiro e do seu conúbio com bispos, patos bravos e padralhada, nesse regabofe a que chamam autonomia, com bofetadas nos que recusam integrar a procissão e ofensas à honra de pais e avós dos que resistem a bater de palmas ao chefe. Vale-nos que, na Madeira, não havia povos autóctenes quando os portugueses a descobriram, porque não tardaria que à Portela começassem a chegar novos retornados...

Por cá apenas permanecem esses novos indígenas que eram opositores até o novo poder os subsidiar em projectos e arranjos de estradas para as terras da família e que, de nós, apenas se querem vingar com a exportação da jardineirice de sinal aparentemente contrário, mas idêntica em teologismos de base que benzem a nova aliança social-fascista, de outras eras baladeiras, dado que agora ainda não há registos de interesses nem obrigatoriedade de comunicação do IRS dos reformados que acumulam tachos públicos, com a embriaguez dos botequins das fidalguices ou das pidarias saneadeiras...

A embriaguez discursiva dos aproveitadores das velhas lutas de classes não permitiu que vislumbrássemos a novidade de ontem, o primeiro desfile das vítimas da novíssima questão social, em torno do chamado desfile do chamado "May Day", esses novos marginais da globalização, da europeização e do chamado desenvolvimento situacionista e que, sem ser por acaso, integra quase todos os meus filhos. Porque esses são a efectiva realidade deste pretenso paraíso que, sem qualquer espécie de solidariedade, lança no desemprego essa nova forma de escravatura doce.

A sociedade que estamos a gerar, para garantir os pretensos direitos adquiridos de cerca de dois terços de instalados, lança as novas gerações no precário da falta de esperança. E porque os privilegiados têm o monopólio da palavra e do reformismo, continuam a música celestial das reformas do sistema de ensino e da luta pela qualificação, pensando que todos os jovens têm que ter o futuro dos "jotas" da partidocracia, dos sete aos setenta anos, que eles empregam como assessores e adjuntos, através da velha encomendação neofeudal da cunhocracia e do clientelismo, sem vergonha.

O desfile de ontem, dessa nova esperança dos desesperados, foi um grito de revolta que veio pôr em causa o meu papel de pai e de professor e explicar a razão pela qual nenhum dos meus filhos e a esmagadora maioria dos meus alunos não quer ter partido. Por isso é que não quero perder a minha palavra com esses novos sacerdotes do situacionismo que gastam o respectivo latim em interpretações comemorativas do 1 de Maio, do 5 de Outubro, do 28 de Maio ou do 25 de Abril. Para quem foi licenciado por um sistema de ensino que agora brinca às gagas bolonhesas, esses delírios funerários apenas representam velharias dos que, perdendo as ideologias do "bacalhau a pataco" e dos "amanhãs que cantam", estão, pura e simplesmente, a abdicar daquelas "saudades do futuro" que hoje já são um escandaloso presente.

Ontem, foram apenas algumas centenas contra o precariado, amanhã serão milhões. Eles sabem o que significam palavras como "call center", estágios, bolsas, recibos verdes e contratos a prazo. Sabem que não podem constituir família, ou comprar casa, mas até pagam imposto. Felizmente que o ATTAC e o FERVE lhes deram voz tribunícia, contra os mafiosos da cunhocracia e da partidocracia dos "jotas", que os instrumentalizam...