Sua excelência a maioria parlamentar aprovou ontem tudo o que quis. Com toda a legalidade formal, mas com amplos buracões de falta de legitimidade. Imaginemos que o exemplo se propaga.
Imaginemos que, num dos arremedos desta democracia, aparecem uns exemplares prequianos que misturam este modelo com uma mentalidade vanguardista de democratura, usando o figurino da democracia representativa para transformarem efémeras maiorias absolutas em absolutismos listeiros, ao serviço de pequenos césares de multidões de subsidiados e empregados num arremedo de PREC e de União Nacional, onde até se podem comprar os líderes da oposição, através de um processo de assalto ao poder, num delírio de revolucionários frustrados que, misturando os métodos da FRELIMO com os da velha UDP, vão repetir as bebedeiras adolescentes, onde cangalheiros, vestidos de director-geral, serodiamente nos atiram para o abismo do falso centralismo democrático, onde não faltam comités centrais e seus descendentes?
Por mim, apenas gostaria que tudo isto se tratasse de ficção e não coincidisse com sectores da realidade pagos pelo dinheiro do povo. Mas não. É efectivamente verdade e repete o verão quente das assembleias do MFA antes do V Governo Provisório, numa mistura de ritmo madeirense, importações de Samora Machel e brincadeiras de almoçaradas com pides, num triunvirato delirante de um verão quente que, pintado de socialista, não passa de um descarado social-fascismo.
Apenas repito o que há anos denunciei contra os mesmos actores e líderes, quando eles eram criados de servir de um absolutismo salazarento.
"Estamos, neste momento, a viver a crise típica dos estados febris que se sucedem a certos vazios de poder e a sublimação das tendências recalcadas que precedem as movimentações para a conquista ou para a manutenção em certos poderes políticos, universitários ou sociais (tudo com minúscula, assinale-se).
Nem sequer a crise é apenas de uma simples subunidade orgânica do estadão, dado que, sobre nós, confluem, talvez freudianamente, crises de outros círculos maiores da nossa instituição universitária, de outras instituições universitárias, onde coincidimos individualmente, e, sobretudo, de muitas carreiras e correrias pessoais, que provocam um ambiente propício à pequena demagogia dos pretensos césares de multidões, com emanações de terrorzinho de salão, de assembleia, de corredores (na expressão correspondente do inglês), de cartas anónimas e de telefonemas com grunhidos animalescos, onde já funcionam as ameaças e as interferências na própria vida privada de quem não quer ser formatado pela corrente.
Não me parece que os tempos do estado febril da sociedade, sejam eles adolescentes, adultos ou serôdios, se mostrem propícios a decisões de médio e longo prazos, necessariamente harmónicas que reconheçam e dinamizem a poliarquia de paradigmas que, neste momento, conforma a nossa instituição.
Talvez não convenha cedermos aos tempos onde a raposa passa a usar as garras do lobo e a serpente a querer voar como as rapinas. Nem sequer vale a pena a linguagem das pombas a abater ou dos cordeiros a imolar. Não acredito nos animais falantes.
Apenas manifesto a minha dor pelos desenvolvimentos recentes do poder infraestrutural. Pelas consequências da conquista e manutenção do poder na rede institucional em que estamos inseridos, todos poderão ver, amanhã, a constelação causal e as acções reversíveis do processo em curso.
Declaro, com toda a frontalidade, em nome da normativista "moral de convicção", que tanto não aceito o autoritário "quem não está contra mim, está a favor de mim", como repudio activamente o totalitário "quem não está a favor de mim, está contra mim". Os fins não justificam os meios...
Concordarmos com algumas reivindicações desta mistura de vanguardismo com situacionismo, não significa concordarmos com os meios usados pelo poder organizado dominante. E só um pensamento binariamente linear pode, em seguida, concluir, que quem assim pensa e actua tem necessariamente de apoiar a intervenção dos aparelhos de repressão em vigor.
Num Estado de Legalidade não me parece educativo que se utilizem tanto a via revolucionária da acção directa, de quem ousa fazer justiça pelas suas próprias mãos, em nome da primordial vindicta privada sem os limites da legítima defesa, como o vanguardismo da lei de ferro da oligarquia partidocrática.
Num Estado de Direito Democrático, onde todas as pequenas instituições estaduais do mesmo se devem integrar, não considero justo que se ceda à pressão da nostalgia revolucionária ou dos candidatos a princeps que mimeticamente confundem o pretérito perfeito com o futuro aventureiro.
As regras da democracia representativa e pluralista não admitem excepções para o corporacionismo universitário, estudantil, burocrático ou professoral. Prefiro o sufrágio universal (do voto secreto), a liberdade livre (dos liberdadeiros) e o respeito pelas minorias (da poliarquia). Repudio a tirania das maiorias, o elitismo de salão, a ditadura da moda, o império do vazio e o ostracismo.
Já pratiquei estes princípios de cidadania quando corriam os crepúsculos autoritaristas e os consequentes ventos da moda da tradução em calão do nosso pensée 68 ou do pretenso PREC do jacobinismo leninista à portuguesa.
Continuarei a praticá-los mesmo que a degenerescência invoque sinais ideológicos contrários em nominalismo, mas iguais na metodologia, nos gestos e às vezes nos próprios figurantes da cena. E muito menos cederei se o processo for marcado pelo niilismo da vindicta. Quem tem razão a curto prazo, pode não tê-la tanto a médio prazo como a longo prazo. E só é moda aquilo que passa de moda.
Não tenho medo de estar de acordo comigo mesmo, ainda que venha a estar em desacordo com todos os outros. Tanto é mau o despotismo de um, ou de poucos, como o despotismo de todos.
Julgo saber analisar laboratorialmente os invocadores da pequena Razão de l’Etat c’est moi bem como os pretensamente "lúcidos" praticantes da "moral de responsabilidade".
Também percebo a vontade de poder dos que dizem querer salvar a cidade, apenas a pensar na paróquia, no quintal, na casa, na bolsa, na barriguinha, na inveja ou nas vaidades. E entendo o libidinoso de muitas ânsias dominandi, o dogmatismo de acaciana pacotilha e o indisfarçado desejo quanto à imposição de um paradigma único, de um pensamento único e de um politically correct tribalista. Prefiro, neste tempo dos tais homens "lúcidos", ter "a lucidez de ser ingénuo".
Já fui julgado pelo tribunal da oclocracia e a sentença foi publicada no dazibao. Só falta o sanbenito e a queima da efígie.
Não tenho tolerância para ser incluído na caderneta das criaturas toleradas! Ninguém me pode "doar" aquilo a que tenho direito, por concursos públicos, provas públicas, escritos públicos, conferências públicas e aulas públicas! E nem sequer peço solidariedade àqueles colegas que se prontificarão a lavar as mãos como Pilatos. Numa instituição da democracia não pode haver pulhítica.
Vou continuar a viver como penso, sem pensar muito em como viverei aqui. Apenas reclamo o direito de continuar a cumprir o meu dever de professor. Não venho aqui oferecer a minha cabeça na bandeja para a vindicta dos que, por outras razões, me pretendem transformar em bode expiatório. Venho assumir a coragem de ter comigo uma ampla minoria constituída por mim mesmo".
Aqui e agora, onde, na prática, a teoria é outra, e onde a esmagadora maioria dos cidadãos está adormecida pela indiferença, apenas repito o que ainda há pouco me ensinavam: o bem comum é inércia, o mal do vanguardismo é sempre a dinâmica dos organizadores. E nem a resistência passiva, quando passa a organização política, continua os belos princípios que a geraram. Resta a subversão do pensamento que pode deixar semente e ser exemplo contra aquilo que aqui denuncio e não é metáfora ou futurismo orwelliano da utopia negativa, mas unhas cravadas no dorso e um real asfixiante que faz apelar à procura de exílio se o direito à indignação não se transformar em revolta contra a cobardia. É o meu dever. Não, não vou por aí...
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