a Sobre o tempo que passa: Continuando meus exercícios de guerrilheiro da palavra, contra os sacristães do pensamento único

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

14.8.07

Continuando meus exercícios de guerrilheiro da palavra, contra os sacristães do pensamento único




A volta a Portugal está prestes a entrar na segunda fase das férias, onde o mercado consumidor de parangonas e o espectáculo da hiper-informação sensacionalista continuam a fazer directos sobre o caso Maddie, onde todos somos detectives e vingadores, enquanto o caracol da Casa Pia continua refugiado na casca do segredo processual e a baba viscosa do imoral e do amoral já criou crosta, semeando asco e não protegendo quem de direito.


Reparo, contudo, que há um bloco de doutíssimos e agilíssimos adesivos ao pluralismo democrático, onde só ex-comunistas e ex-maoístas têm pretensão ao controlo da nossa artificial e comunicacional inteligência, novamente produtora de um estúpido pensamento único que as ondas da moda transformam nos novos livros únicos de língua e história pátrias, para uso dos telejornais e dos "opinion makers" dominantes. Os tais sacristães que perderam o sentido dos gestos e que nos continuam a servir de forma enlatada as disputas verbalistas da geração do "Maio 68".



E se mantivermos estas tenazes mentais, talvez não consigamos abrir o estadão à urgente pluralidade dos paradigmas que realmente existem na maioria sociológica dos portugueses que restam e que vai bem além do gramsciano conceito de sociedade civil, com os seus decretinos parceiros sociais ou as suas catolaicas perspectivas concordatárias, feitas de sucessivas interpretações verticais, ditas autênticas.


Estranho, pois, que mesmo em férias acabe por continuar os meus exercícios de guerrilheiro da palavra, a solicitação de alguns jornalistas, como hoje vem na revista "Focus", quando me questionaram sobre o perfil do governante ideal. Lá declarei que, em democracia, o governo não deveria ser o "lui" do senhor Estado absolutista, vivendo acima dos súbditos, lá nas alturas do soberanismo. Porque, em democracia, o governo somos nós todos, governando através dos nossos representantes, onde até ministro quer dizer, etimologicamente, "servus ministerialis", isto é, escravo da função.


Porque não há governos ideais, até porque, na prática, a teoria é outra, cabendo aos repúblicos medir essa falta de autenticidade, essa distância que vai do que se proclama ao que se pratica. Assim, o melhor governo de Portugal é aquele que for capaz de gerir as actuais dependências e interdependências, tanto da globalização como da integração europeia, para que os parcos factores nacionais de poder consigam ser mobilizados por um patriotismo científico. Onde se retome aquele bem comum das nossas aldeias republicanas, que tinham como lema "o que é comum não é de nenhum".


Infelizmente, as degenerescências democráticas transformam esse comum no domínio do ninguém burocrático, não ousando transformar estes restos de Estadão na efectiva coisa pública, na comunhão das coisas que se amam.


Leio, quinze dias depois, o resultado da conversa telefónica, a que o jornalista foi fiel, seleccionando o que melhor se adequava ao ritmo da agenda e do tema dominantes: desde que se começou a pensar a política se começou a desenhar o político ideal, pelo que nunca existiu nem nunca poderá existir uma democracia perfeita. Logo, o primeiro-ministro ideal não existe.


Logo acrescentei: temos de nos libertar do conceito de absolutismo, onde o Estado se resume a uma só pessoa. Aqui e agora, os democratas não se comportam como democratas...não têm programa nem ideologia. São hoje a favor do que contestaram ontem e amanhã contra o que defenderam hoje. Até identifico "três momentos e três primeiros-ministros responsáveis pelo definhar da política": a lei do tabu com Cavaco Silva, a lei do pântano com António Guterres e a lei do surrealismo com Durão Barroso e Santana Lopes.


Para sair da crise, vaticino mais patriotismo científico na valorização do sistema educativo...menos absolutismo e mais participação cívica e mais soberania do poder político sobre o poder económico, porque um dia destes, um desses capitalistas lusitanos, tipo Joe Berardo vai fazer um estudo que o leva a perceber que se deixar de haver governo continuaremos a ser autogovernados.


Por estas e por outras é que, ao responder o inquérito-tipo da mesma revista sobre qual é a minha família política, fiquei bem próximo do centro radical, ou do extremo-centro: no eixo da esquerda/direita, fiquei com 13 para a esquerda e 10 para a direita; no eixo do autoritário/libertário, obtive 11 para o libertário e 6 para o autoritário. O pior foi arrumar-me nas categorias que elencaram: nem do grupo "neofascistas e nacionalistas", nem no dos "conservadores e democratas-cristãos" e bem longe dos "comunistas reais e pós-comunistas". Fiquei com um pé nos "liberais e social-democratas" e outro nos "socialistas democráticos e novas esquerdas". E eu a pensar que era da direita!...


Valeu-me a entrevista do psicólogo Howard Gardner para me fazer voltar à realidade que é sempre complexa, o que é esquecido pelos cientistas pardais que nos reformam a universidade e a cultura, uns vindos dos m-l e outros do cunhalismo, sob a batuta de um action man, proveniente da JSD. E que, mesmo em opções políticas, devem admitir que um velho liberal como eu, patriota e panteísta, não tenha que ser neoliberal, neoconservador ou socialista, bastando-lhe furar o esquema pelo tradicionalismo anti-revolucionário e pelo libertacionismo liberdadeiro.
PS: Deixo uma imagem de saudade de Santa Luzia, pela noitinha...