a Sobre o tempo que passa: A maior parte da corrupção da política não é, por enquanto, corrupção criminal

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

28.1.08

A maior parte da corrupção da política não é, por enquanto, corrupção criminal



A endogamia neocorporativa que nos vai apodrecendo parece não conseguir responder à provocatio ad populum lançada por alguém que se quer assumir como tribuno da plebe da magistratura republicana, mas que não dispõe do necessário direito de veto e assim corre o risco de ser remetido para a simples categoria da pólvora seca do populismo radical, depressa domado pelos habituais expedientes dilatórios da retórica politiqueira. A voz tribunícia de um esquerdista, com a verbe coimbrã e camiliana, que ainda não ficou sujeito ao tradicional conformismo da queda dos anjos, pode ser mais um dos necessários indisciplinadores desta paz de cemitérios de bonzos, endireitas e canhotos, onde costuma pagar o justo pelo pecador, através da técnica kafkiana, onde os dirigentes do aparelho de Estado até têm direito a advocacias e parecerísticas pagas pelos contribuintes.


O senhor bastonário, passeando entre porcelanas, apesar de não ser elefante, já partiu alguma loiça, só porque não quis ser mais uma virgem no bordel dos intocáveis e tratou de falar no centro da política, enquanto monopólio da palavra pública, pela técnica da metáfora. Não apresentou, nem tinha que apresentar, um único facto novo sobre o processo da compra e venda do poder, apenas deu nome a bois que são públicos e notórios e que, por isso mesmo, não precisam de denúncia nem de provas, mesmo que as condutas não sejam criminalmente tipificáveis.


Sabendo todos os políticos experimentados que a maior parte da corrupção da política não é corrupção criminal, nada mais hipócrita do que meter na matéria a PGR, quando grande parte do discurso de Marinho diz respeito a leis a haver. Não apenas porque os magistrados não podem mexer no que já está prescrito, como também não podem lançar o necessário debate sobre o que deve ser criminalmente tipificado, nomeadamente algumas das condutas que agora escapam às polícias e aos tribunais, incluindo as que são usuais entre polícias e magistrados.




Por nós, gostaríamos que a justiça comandasse o direito e que os princípios gerais de direito conformassem leis e regulamentos, fecundando a lei posta na cidade, a que chamamos direito positivo e que é flagrantemente injusto em muitos dos respectivos segmentos, agora reduzidos à defesa dos interesses dos instalados. Esperemos que este gémito imenso do bastonário não dê à luz os habituais ratinhos, para gáudio dos arrazoadores dos donos do poder, isto é, os representantes do PS e do PSD, acolitados pelo CDS. Porque teremos de concluir como um dos nossos patriarcas pós-revolucionários: em Portugal o importante não é ser ministro, é tê-lo sido, especialmente se, depois, se passar para a banca, acumulando assim aposentadorias.




Não gostaria que os políticos do regime reclamassem por uma Ordem da Classe Política. Porque de outro modo, teria que vestir-me de jacobino e procurar estabelecer uma nova Lei Le Chapelier que lhes enfiasse o belo barrete do nosso Zé Povinho. Porque as Cortes Gerais não podem continuar a reunir-se apartadamente, com segundos camaralismos clandestinos. O Terceiro Estado tem que se livrar desta sucessão de corporações que explodiram em vitalidade, exactamente quando se declarou oficialmente extinto o corporativismo.




A propósito do bastonário, dez observações sobre a corrupção: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10. Julgo que, desde 1998, tenho abordado a matéria no mesmo tom. Na altura, tentavam alguns lançar um enraizado movimento da sociedade civil, em ligação à "Transparency International", quando as ervas daninhas já começavam a tapar o trigo da seara democrática.