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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

19.2.08

Um político nunca respeita a palavra dada, pois a posterior avaliação que o mesmo faça dos altos interesses do país lhe dá autorização para a revogar


Já passou a tempestade, mas ainda não chegou a bonança. Ontem foi quase uma hora daquele tipo de propaganda calmante a que, dantes, se chamava conversa em família, onde o chefe da governação demonstrou, diante dos discursos do bastonário Marinho e do general Leandro, que é um excelente "public relations" para o homem massa da multidão solitária, dado que tem perfeito conhecimento dos "dossiers" da economia, da saúde e da educação, pois foi capaz de os reduzir a meia dúzia de linhas e de percentagens, assim confirmando como um bom político é o tal especialista em assuntos gerais que percebe de tudo um pouco, sem perceber nada de nada, entre furacões, casapias e apitos dourados. Quando a palavra pública se gasta pelo mau uso, ela pode correr o risco de se prostituir pelo abuso.


Claro que a política geral ficou reduzida a cinco minutos de quase uma hora de conversata e nada ouvimos de Europa, de política externa ou de outras questões das funções tradicionais da soberania, coisas que, normalmente, não são chamadas às pré-campanhas eleitorais, quando o velho principado, herdeiro do absolutismo, do "Estado ser ele", dá um breve passeio pela república, onde o Estado devíamos ser "nós todos". Ontem, diante de São Expresso, convinha fazer política com um ar engenheiral de tecnocrata, mas, lamentavelmente, nem sequer houve meia dúzia de segundos para uma reflexão solidária sobre as vítimas da tempestade que se abateu sobre a capital, como o deveria fazer o antigo responsável pela política do ambiente e da construção de edifícios e equipamentos urbanos em vales de cheias, coisas que existiam antes de os patos bravos e os corruptos iniciarem o permanente cerco de Lisboa, como se mostra na imagem.


Ficámos a saber que um político nunca respeita a palavra dada, pois a posterior avaliação que o mesmo faça dos altos interesses do país lhe dá autorização para revogar promessas. Até pode mudar de ministro para melhor poder defender as reformas que o mesmo ministro estava a fazer, no momento em que compreenda que as pessoas começam a perder confiança no sistema que o mesmo hierarca representa e vêm para a rua bater nos tachos, seringas, mocas de Rio Maior, sebentas e aspirinas.


Pior foi quando proclamou que as instituições precisam de liderança, reduzindo esta à existência de um qualquer senhor director, especialmente quando reconheceu que todas as grandes máquinas podem cometer injustiças e continua a valer a lei maquiavélica de o melhor para o país ser mais importante que a palavra dada, num país onde a história do orçamento ser a história do "deficit". Porque também reconheceu que não há mais abusos do Estado do que aqueles que existiam no passado, e que o mal está nas pessoas que se queixam por excesso democrático, mesmo que sejam os 719 000 subscritores dos certificados de aforro. Foi em democracia que nasceu Péricles, o primeiro demagogo que também era estratego. Hoje, quando à demagogia falta a estratégia e já não há Péricles, até a democracia se confunde com a não-democracia.


Por mim, apenas confirmei, através de uma adequada análise de conteúdo, que nunca foram usadas palavras como civismo, democracia, participação, patriotismo ou Estado de Direito, quanto mais socialismo, cosmopolitismo ou europeísmo. Este "public relations" da abstracta governação podia ser propagandista de outra qualquer governança sem governo, de outro qualquer sistema geral de pilotagem automática, ao serviço da melhoria de uma qualquer balança teconológica, onde se confirmasse que o calçado e o têxtil melhoraram e que aumentámos para 35% os cursos profissionalizantes na educação, tendo mais alunos com menos dinheiro, dado que ainda podemos crescer 2,5% ao ano, conforme consta das cábulas postas em bloco, com marcador grosso...
Quando a rotina esmaga a aventura, há sempre contas de somar que continuam contas de sumir e ninguém ainda nos explicou que os problemas económicos apenas se resolvem com medidas económicas, mas não apenas com medidas económicas...