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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

5.3.08

Contra nossos sociologistas profissionais, filhos das modas tecnocráticas e desse conúbio da sacristia com a cavalariça




Esta confederação geracional que nos governa e subdirige, neta do papão salazar e com euforias libertacionistas do maio 68 e do senhor prec, tem, sobre ela a carga dos colectivismos morais do catequista catolaico, entre retiros e acampamentos, e do esquerdo-comuna, baladeiro e cheguevarista. Ficou assim marcada por um desviacionismo do social e, portanto, incapaz de compreender a anomia do individual e, sobretudo, a multidão solitária. Logo, nem sequer tem asas para a imaginação sociológica e, sobretudo, para a imaginação politicamente científica, como nos provocava o ilustre sociólogo Gilberto Freyre...


Por exemplo, face a esta onda de criminalidade espectacular, a primeira conclusão que procura atingir é a de que não estamos perante uma qualquer criminalidade organizada, não reparando que estamos bem pior. Estamos perante o imprevisto de uma série de criminosos que actuam como indivíduos e que nem sequer estão socializados no crime por uma rede hierarquizada. E não há securitário da velha tropa que tenha estudado a criminologia que ensinava Eduardo Correia, com os seus devaneios sobre a culpa na formação da personalidade e a necessidade de reinserção social em vez de Guantanamo. Tal como na educação, quando falam em reformas e em avaliações, escolas e ministros, não compreendem que o essencial destes processos está na relação pessoa a pessoa e na procura da formação individual, sem retiros espirituais dos guerrilheiros congregacionistas, mas com alguma ratio studiorum.

Por mais bem elaboradas fichas que os especialistas em planeamento e objectivos consigam elaborar, nenhum esquema destes, susceptível de quantificação, é capaz de captar a realidade sem intuição divinatória, sem aquela ideia clássica de Verstehen que os neokantianos recuperaram do clássico processo da tópica. Os planeamentistas e sociólogos das organizações de marca neopositivista, bem precisavam de meia dúzia de inputs do cláasico perspectivismo que fundou a academia de Platão e o liceu de Aristóteles, desse peripatético que andava à volta de problemas, tirando-lhe o retrato de vários lugares, sem o estúpido manual de programação que tem a mania de conseguir o pré-capto em que se enreda o conceito, porque, desta maneira, os programadores irão transformar os instrumentos que deviam servir de meros remos para a embarcação do espírito em preceitos de um decreto hierárquico.

A educação só devia ter conceitos que escapassem à tentação dos preceitos. Ela devia assentar, sobretudo, nesse compreender, que sempre foi cum mais prendere. Porque compreender, em sentido etimológico, sempre foi apreender o conjunto, uma coisa com outra coisa e cada uma com o todo. A compreensão não é uma capacidade misteriosa do espírito de se confundir, por assim dizer, com outro espírito, de se projectar por um acto de intuição divinatória nos sentimentos de um outro. A metodologia da investigação submete-se às regras do rigor e da prova em todas as disciplinas que se pretendem científicas (Raymond Aron).

Até há uma sociologia compreensiva. Vem do velho Max Weber, quando tentou introduzir, nas ciências sociais, a chamada sociologia compreensiva, coisa que aqui nunca aconteceu como vaga de fundo. Porque compreender um facto social é mais do que explicá-lo. Passa pelo caso particular e pela média, mas também impõe a construção do tipo ideal e do caso puro. A compreensão ultrapassa, assim, a mera explicação causal.

Também Hannah Arendt distinguiu a compreensão da cognição. Se a compreensão, enquanto pensamento, procura o sentido e o significado dos objectos, já a cognição, enquanto conhecimento, tem como fim a verdade. Se o conhecimento procura a coisa em si, como salienta Kant, preocupando-se com o que algo é, já o pensamento preocupa-se com o que significa o facto de aquele algo ser. Pensar é repensar a experiência de um fenómeno e o verdadeiro pensamento não pode ser provado.

Será que os nossos sociologistas profissionais, filhos das modas tecnocráticas e desse conúbio da sacristia com a cavalariça vão voltar a assaltar a máquina educativa, reeditando essas manias do veiga-simonismo e do roberto-carneirismo, agora pintados da modernidade frustrada? Seria melhor relerem João de Barros, com o seu povo feito pátria, António Sérgio, com o velho Kant misturado no pragamatismo de Dewey, ou Leonardo Coimbra, com o seu Bergson aberto à complexidade spenceriana, antes de se transformarem em cobaias coreanas de certo reaccionarismo pós-moderno...