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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

7.3.08

Sócrates tem de perceber que corre o risco de ser o coveiro do regime...


Ontem, depois da cotovelada do Cardozo, passei para a RTP1, onde a Judite navegava em grande entrevista com a Maria de Lurdes, numa conversa geracional bem interessante, de que não saí porque o Mantorras só mandou a bola para o fundo das redes da esperança nos últimos minutos. Adorei o respeito ministerial pelos professores seniores, mas, infelizmente, apenas posso opinar com base no conhecimento e com a pequena grande força do pensamento de homem livre, a quem não permitem a acção participativa na cidadania. Porque estou farto das endogamias vigentes neste deserto de ideias em que continuamos a degenerar.

A partidocracia dominante, com os seus sargentos verbeteiros, quando fazem requentados discursos contra os anteriores autoritarismos, começam a olhar-se ao espelho, porque, infelizmente, está a difundir-se uma espécie de ditadura da incompetência, contra a qual apenas se erguem algumas vozes tribunícias. Por mim, não passo de um simples analista opinativo, com falta de jeito para esta água mole do maquiavelismo...


Prefiro assinalar que, avaliação por avaliação, fui também ontem elevado à categoria de avaliador pela revista "Visão", tendo como avaliado o próprio governo, a quem dei a nota de 13 valores, no plano da estratégia política.

Mas acrescentei que ele tinha mais quatro valores do que o anterior governo, mas também menos quatro do que aquilo que precisávamos. A revista em papel apenas transcreve parte das observações que fiz, aliás com honroso destaque. Mas, porque mais disse, aqui deixo o resto.

"A medida mais emblemática, foi a da imagem de luta contra o défice, com a consequente encenação de reformador do Estado e da governança, procurando subliminarmente captar o ilusionismo macro-económico do cavaquismo, certa ditadura das finanças do salazarismo e o tradicional gnosticismo da herança pombalista, agora em versão "simplex".

A mais polémica tem a ver com o falhanço da luta contra o desemprego, dado que gerámos um proletariado intelectual (cerca de cinquenta mil licenciados desempregados e a geração dos recibos verdes) e a pouco revelada emigração de cérebros, através de um insensível processo de terceiromundialização.

A promessa por cumprir mais gritante foi a do não referendo sobre a alteração constitucional do tratado europeu, só porque o Tratado do Mar da Palha não se chama Tratado Constitucional.


Para tentar conquistar uma nova maioria absoluta, tarefa que se me afigura quase impossível, o essencial está em deixar de ser comandado pela sondajocracia e a tecnocracia dos estudos de opinião e refazer a confiança pública nos governantes. As actuais democracias contemporâneas, nomeadamente a portuguesa, estão sitiadas pelos inimigos do indiferentismo e pelo processo neofeudal da compra do poder, a que damos o nome de corrupção.

O governo precisa de uma rápida e profunda alteração psicológica, assumindo-se como campeão da luta contra a corrupção, para poder convencer os indecisos do centrão sociológico que vale a pena ainda votarem. Para tanto, importa que a médio prazo, a seis meses do acto eleitoral, lance uma remodelação que capte personalidades do PS que estão na última fila do parlamento e dos congressos, ao estilo de um Medeiros Ferreira, bem como direitistas independentes, ao estilo de um José Miguel Júdice, bem como "socratistas" como Vital Moreira ou Gomes Canotilho.
Em terceiro lugar, tem que continuar a alimentar este modelo de oposição de direita que convém à esquerda governamental, mantendo a dialéctica com o PSD de Menezes e o CDS de Portas, os inimigos convenientes.

Por outras palavras, num país onde as decadências duram décadas (a monarquia liberal desde o Ultimatum; a Primeira República desde o assassinato de Sidónio; o salazarismo desde as eleições de delgado), Sócrates tem de perceber que corre o risco de ser o coveiro do regime se não compreender que todos os nossos regimes não caem por causa das oposições, mas porque apodrecem por dentro. Logo, tem que dar a imagem que é capaz de renascer destas cinzas e dar sinais de fazer o exacto contrário daquilo que os comentadores instalados prognosticam. Tem que ser imprevisto e admitir um pouco de imaginação ao poder".