a Sobre o tempo que passa: As quotas, os jotas e os cotas...ou de como o complex carreirista papa o simplex do cidadão incauto

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

17.6.08

As quotas, os jotas e os cotas...ou de como o complex carreirista papa o simplex do cidadão incauto


Os vapores maníaco-depressivos, que nos revolvem as entranhas, as massas encefálicas e, sobretudo, a própria alma, anunciam que, hoje, é mais um desses dias adormecentes do interregno, por mais que o buzinão tente acordar-nos para o mais do mesmo e o vira o disco e faz "zapping" na procura do que não há. Ontem, muitos ouviram as palavras sensatas de António Vitorino, enquanto o PSD anda, todo ele, a procurar saber quem vai acompanhar Manuela Ferreira Leite na direcção do partido, garantindo um futuro lugar de deputado. Logo, resta o futebol e a preparação do jogo com a Alemanha, até porque regressou em força o Pinto da Costa com a Carolina Salgado ao lado na inauguração de um estádio qualquer, para a qual não havia prova, e até quando se ficou a saber que o Isaltino é mesmo arguido, três anos depois de o tentaram colocar em tal posição processual, e que o Ferreira Torres vai candidatar-se a Marco de Canavezes. Nem todos os dias têm que ser dias de factos históricos. Logo, vou preparar a minha intervenção no Curso de Verão de Óbidos, da Universidade Nova de Lisboa, na próxima quinta-feira, e o papel que tenho de apresentar nos Açores, na próxima semana, sobre as autonomias e as periferias da Europa.


Esta semana são as últimas aulas e a na próxima a última participação obrigatória na era dos Conselhos Científicos que deliberavam, mesmo quando os Conselhos Directivos usavam o veto de gaveta, em nome da mesa do orçamento. Daqui a uns tempos, o Estado são mesmo eles e eu me liberto de mais um fardo. Apenas espero que os senhores reformadores do Estadão não se lembrem desse magnífico sistema classificativo dos funcionários com tantos por cento de quota para os que podem receber muito bom e onde se fazem contabilidades na engenharia das promoções não dando muito bom aos muitos e bons que já não podem ser promovidos, para que se possam beneficiar os que ainda esperam uma subidazita na carreira. Apenas espero que este reino cadaveroso da Dona Maria da Cunha, da Arte de Furtar e dos gestores pracizados pelos choques tecnológicos, aplique a regra das elites quotadas aos governos e aos parlamentos, classificando com muito bom apenas dez ou vinte por cento dos ministros e deputados, mandando os outros para campos de readequação educativos.


Por outras palavras, este estilo de nivelar pela média das estatísticas, impede qualquer tentativa de meritocracia, obrigando toda a gente que tem vontade de criar e de inventar a cair na rotina cinzentista de um regime que não nos permite avaliar os avaliadores, escolhidos sempre por golpada de assalto aos lugares donde se distribuem autoritariamente os valores e a literatura de justificação. Basta passar os olhos por muitos desses painéis de avaliadores que por aí andam e sabendo de ciência certa que aí funcionam os golpes de secretaria, baixando os fins da república, dado que os julgadores são eles os que se julgam os seus dependentes, segundo a velha técnica feudal da defesa despudorada dos próprios interesses.


Entretanto, as velhas autonomias das universidades, das igrejas, das forças armadas e das magistraturas vão sendo sucessivamente eliminadas, através de uma santa aliança dos velhos métodos salazarentos e dos jotas à procura de carreira. Nada parece escapar a este rolo unidimensionalizador da estupidez. Ainda noutro dia espreitava o enlevo burocrático de um destes novos pretensos donos do poder, que se diz inscrito no PS, com um seu colaborador, antigo mentor intelectual da União Nacional (sic) e consabido mobilizador dos mais rascas pides que ainda resistem, pretando serviços de espionagem privada a quem tem massa para o pagamento. Sorri. Mas revoltei-me...