a Sobre o tempo que passa: Da resistencia que foi ate a independencia que tem ser

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

28.10.08

Da resistencia que foi ate a independencia que tem ser




Ontem ao cair da tarde fui visitar o meu querido Padre Felgueiras, acompanhado pelo Padre Martins. Foi um falar de memorias para futuro, da resistencia que foi ate a independencia que tem ser, liberta dos fantasmas do Estado Falhado. Porque nada do que e humano nos pode ser alheio. Ou de como Cernache renasceu aqui em Dili. Porque a regulação que nos falta não é a que, à maneira do velho verticalismo hierarquista dos estadualismos de outrora, estabeleça uma federação de potências com um rolo unidimensionalizador, ao estilo de um qualquer simulacro de Estado Mundial, herdeiro dos erros das monarquias universais, onde os conselhos de ministros passem a ser os sucessivos festivais de cimeiras, hierarquicamente dependentes da autorização prévia de prévias minicimeiras dos controleiros que se pensam superpotentes.

Porque esta criminosa utopia imediatamente desencadearia a revolta das principais vítimas do processo, os chamados povos mundos do mundo que tentariam o desespero de novas ideologias de lutas de classe. O que nos falata é acabar de vez com a Razão de Estado e voltarmos a peregrinar os princípios de um Estado de Direito universal, capaz de evitar uma qualquer nova “animal farm”, onde sempre haverá Estados todos iguais, mas onde alguns serão sempre mais iguais do que outros. O que nos falta é a passagem da Razão de Estado ao Estado-Razão e a um novo conceito de pluralismo político que responda à multiplicidade de pertenças. Basta que os homens, depois de libertados, queiram construir um espaço de participação para homens livres.

As experiências de liberdade, de democracia e luta contra a doença e a pobreza, desencadeadas por alguns Estados Continentais, como o Brasil, ou os esforços de coesão e de solidariedade assumidos pela União Europeia têm treinado e praticado sistemas de solidariedade nas respectivas zonas de cidadania e apenas esperam que encetemos um esforço mais amplo de regulação global, onde a democratização e a juridificação sejam caminhos paralelos.

Por outras palavras, a política externa da União Europeia pode ser bem simbolizado pela recente Casa da Europa em Dili. Um estímulo para que muitas entidades políticas como esta república do sol nascente possam ter um melhor Estado que não seja apenas uma governança mais tecnocrática, mas sobretudo um melhor Estado que dê força ao sentido comunitário das sociedades, isto é, do elemento comunitário dos Estados. Para que diminuam as gorduras adiposas dos aparelhos de poder e para que a pluralidade de pertenças dos indivíduos, libertados e livres, admitam a urgente pluralidade de redes políticas, onde espaços supra-estatais sirvam de reforço para as próprias liberdades nacionais, sobretudo dos pequenos Estados que admitam um Estado-Razão superior à Razão-de-Estado.

Foi este o sonho dos pais-fundadores da Europa política supra-estadual. Pode ser este o principal exemplo que podemos espalhar pelo mundo, se soubermos e quisermos uma Europa que seja mais aprofundada e não apenas mais alargada. Daí que talvez seja de recuperar algumas das lições de certo liberalismo ético, como o de John Locke, quando defendia que a separação de poderes deveria incluir, como elemento vital, um “confederative power”. Os portugueses de antanho chamaram, a esse sonho, abraço armilar e talvez os povos mudos do mudo voltem a exigir que a Europa dê esses novos mundos ao mundo.

Foi apenas isso que vim aprender a esta ribeira da Oceania, diante da sonhada terra austrália do Espírito Santo, na procura de um novo império anti-imperialista, o do poder dos sem poder. Que a Europa volte a ser uma potência do espírito e da moral e que, da respectiva conduta, se possa voltar a extrair uma máxima universal.