a Sobre o tempo que passa: Viajando pelas brumas da memória

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

2.10.08

Viajando pelas brumas da memória


Passo os olhos pelas parangonas jornalísticas, no silêncio da madrugada, antes de continuar meu beneditino trabalho que, em breve, será lançado na net, para uso dos estudantes e do público em geral, sem qualquer subsídio público ou de escola, dado que as despesas do domínio saem do meu próprio bolso, para não ter que entrar no leilão das dependências feudais e noutras garras eventualmente condicionadoras e até proibitivas da liberdade de pensamento, enquanto espero na espera dos dilatórios, para poder cumprir o que julgo minha missão ao serviço de uma ideia de obra. Reparo que a Drª Manuela foi a Belém consultar Cavaco sobre o Kosovo, quando lhe bastava ouvir um dos portugueses que mais sabe sobre matérias de relações internacionais ao vivo, o deputado do PSD Mário David. Também noto que outro deputado, internacionalmente actualizadíssimo, o PS João Soares, em vez de ser requisitado sobre a matéria, tem que diluir-se na questão das ricas casinhas para pobrezinhos lisboetas, quando podia proclamar que tem o mesmo senhorio que eu próprio, assim assumindo a honrosa posição de arrendatário de privadíssimas companhias da velha Lisboa, desmentindo, pela prática, o preconceito dos que, podendo partir e repartir, costumam ficar com a melhor parte. Aliás, o modelo de vida do João leva-me a não ter qualquer dúvida sobre as respectivas palavras, quando, agora, confessa que não entrou no leilão da repartição feudal. Mas outra é a revolta que me surge, especialmente quando alguns, mesmo que não tenham ficado com nada, a usaram para prosseguir o método de Guizot, fomentando o devorismo dos colaboradores e usando dos bens públicos para a compra do colaboracionismo de adversários e dissidentes.

Entretanto, vou mentalmente preparando a minha gravação, mais logo, no programa de Paula Moura Pinheiro sobre o Cinco de Outubro, para o qual tive a honra de ser convidado, quando noto que, sobre a I República, continuamos a viver segundo o retroactivo ritmo da guerra civil fria de ideologias enlatadas, que fingem inserir-se em disputas historiográficas. Por mim, que já escrevi quase todas as frases que tenho disponíveis sobre a matéria, apenas me apetece respeitar os meus egrégios avós, onde havia, como em quase todos os que têm memória, um que era monárquico e outro que era era republicano e onde o republicano tentava voltar a ser vintista e setembrista, mas acabando por fragmentar-se em facciosismos, sem conseguir o objectivo da regeneração, a tal emergência não alcançada desde 1820 e que deveria  evitar que a honra da tradição escapasse às teias da reacção, e que alguma inteligência da revolução fugisse da estupidez das pós-revoluções, dos adesivos e dos viracasaquistas.

Por isso, em vez de reler pormenores da micropolítica das frustrações, prefiro assumir, por dentro, em compreensão, os testemunhos de vida de um Teixeira de Pascoaes, de um Jaime Cortesão ou de um António José de Almeida, esses vencidos da vida que nos deram alento para a religião secular da pátria. E aqui fica uma esquecida chapa de homenagem ao soldado desconhecido no mosteiro da Batalha, onde o ilustre presidente de Portugal aparece ao lado do senhor bispo de Leiria, respeitando o soldado e o discurso fundador da democracia que remonta a Péricles... Ah! Usei a imagem do arquivo fotográfico da autarquia lisbonense, disponível na net, também para homenagear o vereador da cultura que, quase silenciosamente, lhe deu o impulso de obra feita: o João Soares.