a Sobre o tempo que passa: Cuf, ou a economia privada sem economia de mercado

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

18.9.08

Cuf, ou a economia privada sem economia de mercado


Para comemorar o 175º aniversário da CUF, fui chamado para um comentário no Rádio Clube Português, onde divaguei sobre o nome português do capitalismo que se foi chamando devorismo, cabralismo, fontismo, economia de guerra, condicionamento industrial e privatizações de Soares e Cavaco. Tudo começou com o tal devorismo, quando se confirmou Proudhon, para quem a propriedade, incialmente, sempre foi um roubo. Seguiu-se o cabralismo, com a técnica do "enrichez, vous" da sociedade de casino e atingiu-se o fontismo, a grande coligação com a mesa do orçamento, donde derivou a casta banco-burocrática que ainda hoje nos governa. A 1ª República, morreu com a inflação da economia de guerra e fez nascer os gaioleiros e os patos bravos, bem como gente como o Alfredo da Silva, quando este antigo franquista se meteu no financiamento da política e da jornalada, nomeadamente no radical "Imprensa da Manhã" que teve algumas relações com a Noite Sangrenta de 1921. Vivia-se então a questão do pão político, com a guerra entre os moageiros e os latifundiários e quem acabou por ganhar foram os adubos, especialmente quando, com a Ditadura, se lançou a Campanha do Trigo, de Linhares de Lima. Enquanto isto, os capitalistas menos industriais e comerciais, iam começando a lançar o regime dos patos bravos, semeando-se os chamados "gaioleiros", quando a quebra de rendimentos das propriedades agrícolas obrigou as elites rurais a passarem para as grandes cidades que lançaram as suas avenidas novas, feitas de prédios que começaram a desabar.

O salazarismo foi o tempo do grande "gentleman's agreement" entre os barões feudais das grandes famílias e o Estado, onde os primeiros consideravam os ministros como meros "feitores dos ricos", susceptíveis de despediamento, quando a economia mística da nacionalização dos prejuízos e da privatização dos lucros não funcionava de vento em popa. E assim se confirmou o  nome português do capitalismo que nunca foi liberal, mas antes uma economia privada sem economia de mercado. As nacionalizações revolucionárias do 11 de Março de 1975 foram um logro típico deste capitalismo a retalho, porque nacionalizaram eventuais empresas falidas, para, depois os patrões receberem as chorudas e justas indemnizações, em tempo de privatizações dos lucros.

Só recentemente, o capitalismo começou a ter alguma racionalidade, face ao regime de sociedade aberta promovida pela integração europeia e pela globalização. Mas a memória dos grandes cavalheiros da casta banco-burocrática continua a fazer com que, em Portugal, o importante não seja ser ministro, mas tê-lo sido, a fim de garantir a reforma dourada numa dessas companhias que o ex-ministro anteriormente tutelava. Basta recordar que só nos anos oitenta do século XX se revogou um diploma do primeiro pós-guerra (a de 1914-1918) que estabelecia um regime de lucros excessivos, que todos queriam porque ninguém o cumpria, mas não admitia uma lei da concorrência...