As bombas noticiosas surgidas ontem, e os títulos das páginas dos jornais de hoje, entre cartas rogatórias, estudos ditos da OCDE, Dias Loureiro, BPP e BPN, com desenhos de casas da autarquia da Guarda, ao espalharem suspeitas pelas personalidades cimeiras da nossa casta banco-burocrática, produziram aquilo que, em estratégia, se qualifica como o point of non return e quase entram nas raias do chamado out of control. Por outras palavras, a trapalhada atingiu o clímax, quando se vão confirmando os milhões de desempregados previstos para esta crise da geofinança global.
Quando o poder judicial passou a confundir-se com as parangonas jornalísticas, resta-nos ter esperança no sentido de missão dos nossos magistrados e dos nossos polícias, mas sem que se lhes possamos pedir juízos de valor políticos ou até de moral social. Nem sequer uma intervenção presidencial discursiva conseguiria inverter esta descida para o abismo. Por outras palavras, a democracia portuguesa está a viver a sua pior crise desde 1974.
Uma das tentações do poder situacionista poderá ser a de consultar as sondagens e de confirmar aquilo que intuitivamente é perceptível: há uma maioria sociológica incomodada que não acredita que o primeiro-ministro de Portugal possa estar envolvido naquilo que são as suspeitas do nosso tradicional aliado e pretenso protector. Só que confundir este bom senso com um apoio a uma regeneração protagonizada por Sócrates não leva a qualquer repetição da maioria absoluta, porque dramatizar o processo é tão tolo quanto um imediato abandono do poder pela actual governança.
Outra das tentações socráticas poderá ser a de detectar a eventual rede de agências clandestinas de informação e contra-informação, interessadas na confusão, para a salvaguarda ou restauração de certos poderes fácticos. A serenidade do PSD, do PP e do PCP tem dado espaço para que os poderes institucionalizados driblem a ofensiva. E mesmo que se confirme a teoria da conspiração, seria pior emenda do que o soneto atirarmos as culpas para o parco jornalismo investigação que esteve na base da fuga de informação para a opinião pública.
A saída policial ou judiciária para a crise será sempre lenta e garantística, porque estas são as regras do jogo que escolhemos. Só uma saída moral regeneradora poderia refazer a destruição pouco criadora a que assistimos. Por mim, quase tudo passa por um acordo global dos partidos do Bloco Central, se estes se mostrarem dispostos à liquidação da mentalidade de Bloco Central de interesses em que assentam. PS e PSD deveriam também pedir aos outros partidos parlamentares que, em colaboração com Belém, se estabelecesse um novo contrato social que mostrasse ao povo como o sistema está pronto a defender o regime, num combate frontal às causas que levam à corrupção e ao consequente indiferentismo.
Cada dia que passar sem esta ousada procura de regeneração será mais uma facada na democracia e no Estado de Direito. Democracia não é partidocracia e democracia sem povo, ou contra o povo, é mera usurpação. O velho Afonso Costa, depois do sidonismo e da Grande Guerra, nunca mais voltou à liderança do partido que mandava na I República, porque, entre outras coisas, tinha sido enredado por vigaristas internacionais e caído numa esparrela de que não beneficiou pessoalmente, mas que o inibiu para sempre. É evidente que já não há Afonso Costa, nem as forças vivas de então, nem possibilidade de revoltas militares e constantes tumultos de rua. O actual regime tem mecanismos institucionais que permitem a solução, assim haja homens que queiram e sonhem. É a hora!
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