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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

15.1.09

Cadilhe, Manela e o tudo como dantes, com a velha sede na palha de Abrantes...


Ontem foi um dia de terramoto com o longo e esclarecedor depoimento de Cadilhe no parlamento, reabilitando as sonolentas e situacionistas comissões de inquérito. Ouvi muito em directo e reparo como as notícias dos telejornais e dos jornais não conseguem transmitir o essencial do tom da comunicação desse ex-ministro das finanças. Porque a linguagem de sereno tsunami que transmitiu não nos pode deixar indiferentes. Depois, foi Manuela Ferreira Leite que, por acaso, não foi questionada sobre a matéria, preferindo-se os nomes de Santana Lopes e de Menezes para as inevitáveis tricas. A líder do PSD usou e abusou da palavra credibilização para qualificar a respectiva conduta, procurando mostrar-se como a formiguinha da fábula, contra as cigarradas do que qualificou como fantasias de Sócrates, o mentiroso, o mistificador, o que está a conduzir o país para a tragédia, porque não tem medidas de emergência social, de apoio às PMEs e de luta contra o endividamento, preferindo manter a ilusão de poder controlar as ajudas estatais e de dominar pela propaganda.

É evidente que Manuela Ferreira Leite, para quem a ouviu, não conseguiu inverter o sentido das sondagens. Mas o estilo pode ter mais êxito se o sentido dramático se agravar e o governo e o PS começarem a perder a credibilidade. De qualquer maneira, o ataque frontal de dois antigos ministros das finanças, depois da barragem de fogo contra a fantochada, levada a cabo por outro do mesmo calibre, Medina Carreira, e com um  quarto ex-ministro das finanças no palácio belenense, colocam Teixeira dos Santos em apuros e Sócrates com muitos fogos críticos para debelar. Por outras palavras, as campanhas eleitorais que se avizinham vão viver sob um ambiente psíquico absolutamente inédito e os habituais contabilistas e planeadores têm de se adaptar às mudanças efectivas. Já não é o tempo dos cenários e dos criadores de factos políticos, com funerais de Amália Rodrigues e referendos em Timor.

Por outras palavras, as realidades da pouca vergonha já ultrapassam aquilo que outrora pertencia ao domínio da boataria e da teoria da conspiração, enquanto as forças vivas começam a libertar-se dos velhos espartilhos do controlo das ajudas estaduais, dado que o processo de desinstitucionalização em curso fragmentou os restos de autonomia dos grandes corpos do Estado e das poucas autonomias da dita sociedade civil. Já nem o populismo consegue manipular esta pulverização do salve-se quem puder.

Por outras palavras, parece impossível qualquer maioria absoluta tanto para o PS como para o PSD e nem já a hipótese de um novo Bloco Central, mesmo à alemã, conseguirá domar a besta da incerteza. Resta saber se uma intervenção presidencial para um governo de salvação pública, com os principais partidos em proporcionalidade ainda tem espaço de manobra. Porque, de outra maneira, estamos mais próximos da argentinização do que parece. Espero que me engane nestes vaticínios e até pode acontecer que tudo como dantes, com a velha sede na palha de Abrantes...