Lá assisti ao discurso de Obama. E, confesso, entusiasmei-me. Exactamente por aquilo que alguns imediatos críticos denunciaram: não trouxe nada de novo. Podia ser um discurso de há duzentos anos, repetindo palavras dos pais-fundadores da república norte-americana. Porque assim se confirma o que disse Hannah Arendt, repetindo Burke, sobre a revolução desse outro lado do Atlântico: foi uma revolução evitada, à boa maneira liberal. Logo, tanto não gerou uma contra-revolução, como não precisa de uma pós-revolução. Só é novo aquilo que se esqueceu. Só é moda aquilo que passa de moda. Só há o verdadeiro fora do tempo, como diria Vieira.
As palavras básicas foram as de "nós, o povo", confiança, felicidade, esperança, homens livres, imaginação, contra o poder sem convicções, contra a política sem princípios. Estava ali Montesquieu, estava ali Cícero, estava ali Péricles. E, ao fundo, uma arquitectura de edifícios neo-clássica, tentando imitar as formas da velha República Romana, diante de uma multidão simbolizando a praça pública, o "forum", o "ágora". Felizmente, a democracia norte-americana não tem a palavra Estado, herdeira do absolutismo, porque a respectiva modernidade sempre assentou nos fundamentos do velho consensualismo pré-absolutista e tudo se mobiliza pelas ideias de Comunidade e de Nação.
Por isso, o Professor Obama voltou a dizer que a América vai continuar a querer iluminar o mundo, em nome de uma ideia de Deus, entendida à maneira de Bento Espinosa. A América como uma república feita por subscrição universal e, portanto, mestiça, à imagem e semelhança do respectivo presidente de hoje. Uma espécie de regresso à terra prometida, cujo sonho gerou a comunidade política mais plural e mais liberal do mundo, naquele paradoxo criativo que a fez ser também a mais cristã e a mais maçónica de todas. Por outras palavras, foi o discurso de um velho liberal idealista, contra o pretenso realismo de neoconservadores e neoliberais. Por isso, também eu quero continuar a ter esperança e todos os que assim pensam e acreditam precisam de uma democracia norte-americana que abandone a treta dos neomaquiavélicos, pretensos defensores da liberdade, para quem eventuais bons fins justificariam os maus meios.
Nenhum dos grandes problemas do mundo pode ser resolvido em solidão por uma eventual república imperial. Mas nenhum desses grandes problemas tem solução sem a cooperação norte-americana, ou com um qualquer regresso ao isolacionismo. A luta contra os interesses, contra a corrupção, contra o poder sem convicções, precisa de aliados. O Ocidente precisa desta renovação do sonho norte-americano. E eu apenas recordo que, quando ele foi eleito, estava em Timor, no meio de mestiços, recordando que o embaixador norte-americano em Jakarta, no tempo da invasão autorizada por Kissinger, era um dos altos hierarcas de Bush. Não o esqueço. Nem deixarei de recordar que a libertação de Timor só foi possível com a presidência do marido da actual "secretária de Estado" de Washington. Que não me engane. A esperança volta a ser discurso e a imaginação pode acontecer, pela Santa Liberdade!
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