a Sobre o tempo que passa: Os novos alves dos reis e a impossibilidade técnica do 28 de Maio

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

17.1.09

Os novos alves dos reis e a impossibilidade técnica do 28 de Maio


Com os semanários de sábado anunciando o fim da autonomia de Alegre (num, já é o candidato presidencial do PS, noutro, mero presidente do parlamento), notamos como a credibilidade de Manela já consegue matraquear um discurso eficaz de propagandismos (fim do TGV, subserviência do PS face aos socialistas espanhóis), enquanto toda a classe política pronuncia palavras como BPN, BCP, Apito Dourado e Freeport, num toma lá dá cá que prepara outros desvelamentos. Por acaso, poucos se preocupam com o congresso caldense do CDS, já que parece mais importante saber se Portas e Santana conseguiram acordo para a coligação em Lisboa. Isto é, ao contrário dos conselhos de Cavaco, vivemos, em plenitude, o tempo das tricas, das intrigas e da teoria da conspiração, onde nem sequer faltam amuletos, pulseirinhas e bruxedos.

Apenas acrescento que, por muito menos, caiu a pobre I República, quando o ministro das finanças de António Maria da Silva, o moderadíssimo Armando Marques Guedes (na imagem), pai e avô de outros homónimos das nossas classes universitárias e políticas, começara a driblar o fantasma do défice, numa política que o 28 de Maio de Sinel de Cordes iria destruir, para que a síntese da dialéctica se chamasse Salazar, quando a sacristia, aliada às forças vivas, esmagou a cavalariça, mais próxima dos partidos, através de manobras de bastidores. Entretanto, entre 1925 e 1928, a sombra escandalosa do caso Alves dos Reis e do seu banco fantasma, para onde conseguiu recrutar uma ilustre figura de deputado do Centro Católico Português, ia confirmando que, entre bonzos, endireitas e canhotos, o que efectivamente vivíamos era numa ditadura da incompetência, onde as classes médias, estavam a ser entaladas pelo martelo da Legião Vermelha e a bigorna das forças vivas, para citarmos expressões jornalísticas de então. Porque também então Salazar e Cerejeira tiveram de ir ao processo, em contidos e paradoxais depoimentos, para safarem o seu velho companheiro do partido eclesiástico. Alves dos Reis foi para a cadeia e converteu-se ao protestantismo...

Teixeira dos Santos, apesar de também vir do Porto, não é o tradutor para português do Plano Beveridge. Sócrates não tem a história carbonária de António Maria, deste engenheiro com prática de engenheiro e também de comando dos batalhões de rua em épocas revolucionárias. E as oposições não podem ser desmanteladas pelas jogadas de Francisco da Cunha Leal, personalidadede  que Pedro Santanha Lopes  deveria estudar a biografia, antes de Paulo Portas a espreitar. 

Claro que um golpe de Estado no Portugal do século XXI é uma impossibilidade técnica, dado que o comando das telecomunicações já não passa pela torre do telégrafo nos Correios do Terreiro do Paço; o poder instalado já não cabe numa Chaimite que se tire do Quartel do Carmo e se remeta de avião para a ilha da Madeira; e não se consegue decretar a mudança do regime através de um simples comunicado lido na RTP. Portugal já não tem Império e a metrópole capitaleira que resta já não é uma ilha, apesar de Manela ser neta de José Eugénio Dias Ferreira e de ter, como principal colaborador, um dos netos do ministro das finanças de António Maria. Passámos a periferia da grande Europa da moeda única e dependência dos restos da globalização. Temos os banqueiros, os governantes, o presidente e os partidocratas que merecemos. Todos vamos gerindo as dependências e navegando na incerteza da interdependência, onde o bater de asas de uma andorinha de dez despedimentos nos States, ao abrigo da Primavera do Plano Obama, pode produzir uma tempestade invernosa de falências no Portugal profundo das PMEs...

PS: Por causa das declarações do Cardeal, dei um salto navegador a um "site" católico francês e confirmei que cerca de 16% dos casamentos gauleses já são mistos. D. José Policarpo teve, pelo menos, um mérito: revelou como a intolerância xenófoba cresceu, como o fanatismo se exacerbou e como a ignorância marca as elites. Ainda ontem, no telejornal da TVI, um dos melhores comentadores lusitanos, ex-professor da Católica, parecia desconhecer como, desde a primeira hora, a Igreja de São Pedro e São Paulo admitiu os casamentos mistos de crist(ão)s com gentio(a)s, tal como, aliás, o próprio Islão. Como se entre as três grandes religiões do Livro, nascidas em redor do mesmo mar interior, não fosse mais o que as unisse do que aquilo que as continua a dividir. Aliás, D. Policarpo, no seu comício de Casino, também produziu injustas declarações que irritaram a comunidade judaica, a propósito do conflito de Gaza. Se calhar, como patrão-mor da Universidade Católica, ele estava era irritado com a classificação dada pela FCT ao seu Instituto de Estudos Políticos. Felizmente que uma universidade norte-americana já reconheceu o mérito da instituição, coisa que, sem ironia, também subscrevemos, até por causa do casamento misto de ideias protestantes e católicas que está na sua base ecuménica liberal, mesmo que os teóricos católicos não o notem, depois dos sucessivos afastamentos a que foram sujeitos os melhores pensadores políticos lusitanos e neotomistas que ainda pensam pela própria cabeça e de acordo com a autonomia do pensamento português sobre a matéria.