a Sobre o tempo que passa: Pelo verdadeiro método de estudar e a "ratio studiorum"...

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

23.1.09

Pelo verdadeiro método de estudar e a "ratio studiorum"...


Pouco me interessam os resultados da votação parlamentar de hoje, não me entusiasmam as especulações sobre as buscas policiais de ontem, nem sequer vale a pena glosar o confronto entre as palavras de Mário Soares de ontem e as respostas de Vitalino Canas, de hoje. Interessa ir além da espuma dos combates políticos conjunturais, marcados pelo ritmo dos queijos limianos. Vale mais  notarmos que, além dos bailados de Mário Nogueira e do secretário de Estado vindo da Beira Interior, há um inequívoco conflito entre o aparelho de Estado e toda uma ordem profissional, onde as concepções dominantes numa máquina centralizadora são quase unanimente rejeitadas pelo que era uma certa autonomia institucional.
 
Por outras palavras, o aparelho de Estado, na sua sanha de uniformização centralista, procura unidimensionalizar, em nome de uma qualquer tradução em calão, uma variedade nascida de quem faz da profissão de professor uma espécie de missão, e não apenas o pretexto para um posto de vencimento. Assistimos a mais um capítulo do processo de desinstitucionalização em curso, levado a cabo por ex-revolucionários que estiveram e estão no lugar errado da história, quando agora, transformados em ministros e secretários de Estado, voltam à estadualização centralista de uma das velhas autonomias da sociedade civil, transformadas em grandes corpos do Estado. Sem notarem, voltam a actuar como o falecido absolutismo e quase parece que regressa o Marquês de Pombal, com a sua Dedução Cronológica e Analítica, onde, afinal, os novos fantasmas jesuíticos são todos os professores, incluindo os universitários. Isto é, retomamos, com alguns anos de atraso, certo neojacobinismo francês contra a autonomia daquilo que além-Pirinéus era a autonomia do ensino privado, nomeadamente das escolas católicas.

Mesmo com inequívocos erros propagandísticos dos sindicatos dos professores, que, através do comunista Mário Nogueira, caíram na esparrela de transmitir a imagem dos professores contra a avaliação, só porque dialogaram em guerra com o secretário de Estado da Beira Interior, que foi sancionado em anteriores funções políticas autárquicas, por falta de comparência, só porque não aplicaram a disciplina partidária. A este triste espectáculo, a governança continua a responder com a velha táctica do menino birrento, do tal que pensou vencer a guerra da co-incineração de Souselas, mas cujas leis, passados tantos anos, ainda não foram aplicadas pelo paladino.

Prefiro recordar que este governo é o mesmo que paralisou toda a Universidade, sitiando-a por inúmeras lutas pelo poder e pelo carreirismo. É o mesmo que suspendeu todo o anterior sistema de avaliação do ensino dito superior, em mais uma operação de desinstitucionalizaçãõ, feita em nome de um eventual novo esquema reformista, talvez de um qualquer SIADAP, que só poderá ser integralmente aplicado dentro de alguns anos. Isto é, nesta febre de mudanças, surgem sempre piores emendas reformistas do que o anterior soneto envelhecido.

O mal destas reformas tem a ver com a falta de ideias de obra e a ausência de manifestações de comunhão, só mobilizáveis pela gestão motivacional do bem comum. E a crise espiritual resulta da invasão  dos tecnocratas, dos tais educacionólogos e avaliólogos, uma fauna ornitológica que está a destruir tanto a educação nacional como a própria instrução pública, em nome de uma nebulosa reforma pela reforma que não passa de mera tradução em calão de reformas estranhas à nossa índole e à nossa experimentação. Umas traduções em calão que nem sequer são dignas daqueles antigos estrangeirados do verdadeiro método de estudar, ou da "ratio studiorum" dos jesuítas, dos que souberam nacionalizar tendências importadas.

Valia mais voltarmos ao conhecimento modesto sobre tais coisas supremas, valendo-nos da experiência e do amor à arte dos professores e dos pais, dos professores que têm vocação para professores e das escolas que precisam de voltar a ser integradas nas comunidades que devem servir. É por isso que vou tratar de reler as páginas antigas, mas não antiquadas, de Coménio ou do nosso António Sérgio, desse misto de idealismo e de didáctica que não visa a criação de centros de formação profissional de sargentos verbeteiros e de mangas de alpaca. Pouco me interessa a vitória ou derrota da moção de desconfiança por mais um ou menos um deputado. Por mim, caso me tirassem a profissão e a missão de professor sentir-me-ia assassinado. E para a semana tenho aulas que vou continuar a preparar. As rodriguinhas, os gagos e os sócras passam, as escolas continuam, em nome da Academia de Platão ou do Liceu de Aristóteles.