Na ressaca, depois da barrigada de futebol de ontem, com dois directos em transmissão televisiva, com a Segunda Circular a esmagar os visitantes do norte, o povo não reparou que saíram, em defesa de Sócrates, Mira Amaral, Duarte Lima e Ângelo Correia, enquanto os meandros do BPN continuam a demonstrar como ilustres sociais-democratas sabiam jogar àquilo que, agora, se denuncia como práticas neoliberais, a única qualificação a que recorre um tipo de esquerda, hoje, entre Mário Soares e Francisco Louçã, com passagem obrigatória por Sócrates e António Costa, enquanto Luís Filipe Menezes diz praticamente a mesma coisa, utilizando o sinónimo de hiperliberalismo, com pronúncia do norte, contra os sulistas, elitistas e liberais que são contra a regionalização. Por outras palavras, os sociais-democratas,incluindo os socialistas democráticos, sejam banqueiros, gestores de fortunas, agentes de capital estrangeiro, burocratas, autarcas ou arguidos, não percebem que pode haver socialismo sem justiça e que pode haver liberalismo que continue a assumir, e a praticar, essa virtude suprema do político, como se demonstra com Obama, na linha das propostas de John Rawls, mas continuando o paradigma de Jefferson.
Quando noto, nalguns socialistas, a facilidade com que lançam para o caixote de lixo da história o pensamento de Anthony Giddens, quase o reduzindo a Blair e quase limitando este à cimeira dos Açores, com Bush, Aznar e Barroso, aflige-me pelo oportunismo e pela falta de rigor. Por mim, tenho de reconhecer que a globalização não é uma ideologia, mas a nova circunstância da humanidade, onde grande nau, grande tormenta, e que, agora, vive a primeira das suas encruzilhadas críticas. Porque uma geofinança sem regras, isto é, sem Estado de Direito universal, conforme a proposta de Kant, expandiu as suas mafeitorias de licenciosidade predadora através da geoeconomia, lançando milhões de homens na multidão solitária e levando as classes políticas a discursos de justificação irrealistas que invocam a necessidade de restauração do velho Estado soberanista.
É por isso que fui pedir ao meu mestre Adam Ferguson, para me ajudar a compreender a crise. E ele repetiu: Há fenómenos resultantes da acção do homem, mas não da sua intenção...quando um refinado político oferece a sua mão activa para ajudar, ele apenas multiplica as interrupções e as causas das queixas.
Aliás, o escocês continua a defender os conflitos como saudáveis, aceitando a concorrência e a própria ideia de luta no plano internacional. Proclama que as contínuas diferenças e antagonismos dos indivíduos são a base do desenvolvimento social, que o interesse pessoal é o motivo principal da acção dos homens. Porque cada pessoa é livre na proporção em que o governo do seu país seja suficientemente forte para protegê-la e limitado e prudente o suficiente para não abusar do poder que detém.
Ainda na Escócia, tive uma entrevista com outro inspirador, Adam Smith, que, no mesmo tom, até me pediu para eu fazer chegar o seu protesto junto de Sócrates, por causa da má interpretação que este faz de uma nota pé de página de um seu escrito de 1776. Insistiu: O homem é levado por uma mão invisível a apoiar um objectivo que não fazia parte da sua intenção. Coisa que apenas queria repetir a ideia do seu companheiro de liberalismo ético, Ferguson. Porque o que move o mundo é o interesse pessoal, segundo o qual os homens andam sempre a tentar melhorar a sua situação económica, procurando o máximo de satisfação com o mínimo de esforço, sendo importante mobilizar os motivos egoísticos e a espontaneidade das instituições realizam inconscientemente a providência divina. Mas este hedonismo dos consumidores só funciona num processo onde haja uma espécie de ética puritana dos produtores. The natural effort of every individual to better his own condition ... is so powerful, that it is alone, and without any assistance, not only capable of carrying on the society to wealth and prosperity, but of surmounting a hundred impertinent obstructions with which the folly of human laws often encumbers its operations. Por mim, apenas confirmo que continuei um liberal assumido, bem pouco neoliberal e nada neoconservador.
Até recordei outro mestre desta concepção do mundo e da vida, Alexis de Tocqueville, quando este assinala que não é a história que faz o homem, mas o homem que faz a história, mas sem saber que história vai fazendo. Porque de boas intenções dos políticos está o inferno das crises cheio...
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