a Sobre o tempo que passa: Quem sabe fazer não ensina, porque só ensina quem não sabe fazer (voz de um dos donos do poder, ontem)

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

6.2.09

Quem sabe fazer não ensina, porque só ensina quem não sabe fazer (voz de um dos donos do poder, ontem)


Recordo-me de, há uns anos, assistir a uma daquelas cenas habituais, onde importantes decisões políticas tomadas numa sexta-feira, depois das pressões de fim-de-semana, passam a ser adocicadas na segunda-feira. O veículo de cunha usado pelo prejudicado em causa, e depois amplamente prebendado pelo regime, foi um conhecido banqueiro, o principal de um banco que está sempre na linha colaboracionista com todos os regimes, porque, muito justamente, os banqueiros não fazem política, usam, como feitores e capatazes,  certos políticos, incluindo os que são situacionistas, os quais precisam, quando são ministros ou primeiros-ministros, de alguém que lhes faça o discurso da união nacional, do
todos não sermos demais para continuarmos Portugal e as "ilhas adjacentes", na falta de colónias, como ainda ontem ouvimos, através da televisão pública. É evidente que o banqueiro em causa não poderia ser do tipo de banqueiro anarquista de Fernando Pessoa e, certamente, não receberá os elogios de José Saramago, de Edmundo Pedro ou, até, de Manuel Alegre. Aliás, pouco lhe interessa que este regime goste de "malhar" na esquerda e na direita políticas, como alguns dos seus antecessores preferiram que o "malhar" não fosse uma metáfora, mas antes a verdade nua e crua do cacete, legalizado por um conceito amplo de polícia política que transformava as outras polícias que ainda restam em meras ilhas adjacentes e colónias.

Julgo que, ontem, Sócrates ficou feliz com a conversata de um dos tradicionais donos do poder em Portugal, especialmente com o inesperado apoio à respectiva política educativa, quando o ilustre Ricardo, pouco dado aos mistérios do quinto-império da pomba homónima,  sem qualquer tipo de coração de leão e  mais à maneira dos guardas que gostam de "malhar" literalmente, de forma rascamente prosaica,  proclamou que quem sabe fazer não ensina, porque  ensina quem não sabe fazer (sic). Colocou-se assim nas alturas típicas das caricaturas miguelistas, formigueiras e salazarentas, para gáudio dos walters e dos pretensos estudos da OCDE, entrando nas águas chocas em que também parecem navegar alguns tiques metodológicos do ministro Santos Silva, cujos deslizes vocabulares o continuam a colocar do tal "lado errado da história".

Por mim, prefiro recordar o PS da Alameda, de 1975, quando Sócrates ainda lá não estava, e quando o ministro Silva e muitos outros ministros de hoje tentavam boicotar essa resistência, feita em nome do pluralismo e da sociedade aberta, contra o pré-chavezismo gonçalvista. Prefiro recordar e ser fiel ao Edmundo Pedro, quando este soube mobilizar a direita, o esquerda e o centro contra as sementes totalitárias que nos enredavam. Prefiro continuar a praticar os poemas de Manuel Alegre contra os "ministros do reino por vontade estranha" e apenas lamento que o PS profundo, mesmo aquele que, cumprindo o seu dever, apoia Sócrates, não se demarque do "malhar" e da teoria da bicicleta revolucionária da extrema-esquerda, plebeia ou chic, que, em desespero de causa, ocupou o centro de poder do partido e do Estado.

O mais perigoso tique do desespero situacionista acontece sempre que o poder estabelecido inventa uma união nacional centrista, com inimigos à esquerda e à direita, confundindo o partido com o Estado e assumindo que o respectivo programa e intereses se confundem com as necessidades nacionais. Entre o pensamento único e o partido-sistema, a fronteira é ténue. Foi este o discurso de Estaline e de Salazar, com as sucessivas purgas dos desviacionismos de esquerda e de direita. É este o insensível barril de lodo que está a levar Sócrates ao desespero do propagandismo do ministro Silva. É isto que lamento no partido herdeiro da Alameda!

PS: Esta bicada só é compreensível para quem assistiu, ontem, à entrevista de Judite de Sousa ao novo banqueiro do regime, recordando o "Prós & Contras" de segunda-feira, na RTS, na rádio e televisão do Situacionismo, que, inadvertidamente, também nos disse, em parangonas, que Stanaley Ho perdeu, com a crise, noventa por cento da respectiva fortuna. Pelo menos, a crise tem esta vantagem, a moeda boa consegue sanear certa sociedade de casino...