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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

16.5.09

De como Alegre não quis ser vencido na estreiteza dos campos de Alfarrobeira. Os povos continuam disponíveis para a restauração da república


O socialismo social-democrata cá dos reinóis vai reconhecendo a verdade do meio milhão de desempregados, acrescentando que, apesar de se esquecer dos números na algibeira do casaco, a situação é menos má do que a média da União Europeia, onde, embora estejamos na cauda das igualdades sociais, sempre temos belas vistas, olhanenses, olhos à belenenses e boas vistas que perderam as estacas dos loureiros a dias. Vale-nos que os primos do primeiro já conseguem que o expresso volte a dar notícias, fingindo poses de kungfu, quando o sobrinho do tio foi semear magalhães para o jardim do colombo, sem levar vitais nem vitalinos. Por outras palavras, a encruzilhada continua, a situação resiste e a pátria inteira vai continuar a ouvir prédicas de marcelo ao domingo, reprédicas de vitorino à segunda e entrevistas pimba todos os dias, nesta gerontocracia onde manda quem gosta de passar as horas a substituir missinhas por visitas quotidianas aos ginásios de fisiatria, onde reformados, aposentados e pensionistas pensam que ainda podem subir a coqueiros, como se as águas do rio da vida passassem duas vezes no mesmo sítio e da mesma  maneira.

Por isso, importa saudar a coragem de Manuel Alegre que, contra muitas previsões, cumpriu a palavra. Primeiro, veio dizer-nos que o PS não se reduz ao Partido de Sócrates, mas que não está disposto a substituir Jaime Gama no parlamento nem António Vitorino na RTP, dado que não se vislumbra como equivalente a Marcelo Rebelo de Sousa e prefere missão mais metapolítica: a de vencer os aparentes ideias conjunturais das sondajocracias, passando para a eternidade do respeito e da confiança públicas. Daí que ele também não tenha optado pela via estreita de um novo partido que o encarcalharia em aparentes retóricas de uma qualquer ideologia de pacotilha. Por outras palavras, Alegre manteve a autenticidade do poeta, a confiança na palavra e a esperança numa eternidade, quando ousou continuar a viver como pensa, sem ter que pensar como depois vai viver.

Daqui a alguns anos, ninguém se lembrará das retóricas comicieiras ou comentaristas das nossas carpideiras frustradas que nos enredam em velhices do restelo, para uso de uma gerontocracia  que continua a brincar aos assassinatos morais, típicos da conspiração de avós e netos, onde os jotas são usados para o jogo sujo dos que continuam a rebentar com as bonecas, para verem a palha que elas têm dentro. Isto é, Manuel Alegre, que recentemente estudou o drama do Infante D. Pedro, não deixou que os devoristas que se escondem atrás dos netos de D. João I, o levassem para o desastre de Alfarrobeira, dado que compreendeu que nesse campo ele perderia a natural aliança com as tropas populares do partido dos concelhos, conforme continua a ser exigido pela lei fundamental do reino, contante do discurso de João das Regras nas Cortes de Coimbra de 1385, essa constituição originária que nos deu 1640 e 1820, mas que os contitucionalistas de hoje esqueceram.

Em tempos de regafobe, é bom que os devoristas se devorem uns aos outros, para que os resistentes do "polla ley" e "polla grey", conservem o projecto armilar de passagem do Cabo das Tormentas, mesmo que venham a morrer tentando. Os que têm a fibra multissecular de uma palavra que continuamos a passar, de segredo em segredo, sabem que a espera tanto é esperança como é esfera. Basta que a estratégia volte a dar força ao poder-ser.

É evidente que não iria com Alegre para Alfarrobeira, donde aliás poderia sair com a aparente vitória de uma corte reforçada de quinze ou vinte deputados que hoje estão certamente tristíssimos. Alegre é republicano e muitos como eu continuam realistas. Alegre é da esquerda socialista e muitos como eu não são socialistas e, face a esta esquerda, até continuam a dizer-se de direita, embora estejam muito à esquerda da direita cavaqueira e marcelosa, bem como da própria esquerda vitorina ou vitalina. Contudo, os que não vêem, na esquerda contra a direita, uma mera forma de hemiplegia mental, podem superar a estreiteza de horizonte dos sectários e preferem a autoridade ao poder, e a ideia às ideologias. Sabem que vencer pode significar o mero ser vencido, porque nem sempre tem razão quem vence, quando importa ganhar saudades de futuro. Obrigado, Manuel Alegre. Ainda há povo que pode restaurar a República. "Alfarrobeira é uma batalha que não acaba nunca".