a Sobre o tempo que passa: Alguns princípios de política, em dia de tédio e de revolta

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

17.6.09

Alguns princípios de política, em dia de tédio e de revolta


Dizem que, daqui a minutos, o parlamento vai discutir uma qualquer moção de censura face ao poder estabelecido e que, mais logo, o primeiro-ministro, usando o seu heterónimo de líder do PS vai ser entrevistado em directo. Passei a manhã e o coemço da tarde num hospital público, em apoio directo a um descendente e fiz a adequada hierarquia de valores. Nem sequer tenho acompanhado, ao pormenor, a acção da polícia e dos magistrados à procura de provas, em empresas de sucesso e em autarquias de primeira. Uma democracia não se mede por aquilo que proclama o vértice do hierarquismo nem pelo sistema eleitoral que o eleva ao estadão, mas antes pela qualidade da cidadania e pela principal expressão desta que é o controlo do poder

Pobre jacobinismo, herdeiro dos pombalismos, que continua a querer destruir as autonomias e o pluralismo, perseguindo a sociedade de ordens, sempre em luta contra Távoras, Jesuítas e Povos, como o da Trafaria que Sebastião José tentou extinguir, levando a que o rolo unidimensionalizador das revoluções erigisse as estátuas aos déspotas que cortam o horizonte das nossas Avenidas da Liberdade.

Não há democracia pluralista, nem sequer república, no sentido kantiano, se o pacto de associação não for assumido como superior ao pacto de sujeição e ao pacto de governo, incluindo o da via eleitoral. Não há república se não soubermos praticar o sistema de controlo de poder dos que mandam, se não soubermos olear as relações entre o sistema social e o sistema político. Porque só há democracia no Estado se antes se praticar a democracia da sociedade civil, através de uma exigente poliarquia.

A abstenção pode significar uma atitude de superior desprezo, em protesto contra a usurpação da democracia por um “l’État c’est lui” de uma qualquer oligarquia. Porque quem cala (eleitoralmente) tanto pode consentir como nada dizer. De qualquer maneira, há movimentos e partidos que podem assumir-se como vozes tribunícias, promovendo um esforço de integração no sistema dos marginais ou excluídos.

No entanto, importa reconhecer que esta nossa democracia abrileira conseguiu ser a mais inclusiva das três que tivemos, desde que, em finais de 1979, os potenciais marginais da direita conquistaram o poder evitando o sonho de mexicanização do soarismo. Superou-se o modelo de clausura do partido sistema (o PRP de Afonso Costa, quase contemporâneo do PRI mexicano), ou do rotativismo devorista (equivalente ao bloco central, onde o PSD se assemelha aos regeneradores e o PS, aos progressistas).

A presente democracia representativa tem as canalizações representativas enferrujadas. Mesmo que assente na vontade de todos, não assume a vontade geral, porque cada um decide pensando nos seus próprios interesses (sondajocracia) e não assumindo-se como o soberano pensando no interesse do todo. Porque as democracias representativas políticas costumam ser compensadas pela democracia da sociedade civil, do consociativismo. O que não é possível num país submetido ao rolo unidimensionalizador do verticalismo ministerialista, centralizado, concentracionário e capitaleiro, onde vigora o quase monopólio da política pelo aparelho de poder. Onde o principado ao construir, ou reformar, o Estado e ao querere reconstruir a nação, passou a desprezar o horizontalismo da república ou comunidade, onde o Estado somos nós.

Num modelo centralista e concentracionário, esse estatismo, herdeiro do absolutismo (tanto o do despotismo ministerial como o povo absoluto) gerou a compressão da autonomia da sociedade civil. Logo, os Girondinos foram guilhotinados pelos Jacobinos, só porque este lhes dão o cognome de Vendeianos, promovendo a estúpida clivagem da cidade contra as serras, da capital contra a província. Onde Portugal é Lisboa e o resto é paisagem, neste exagero capitaleiro da sociedade de corte. Quando uma república maior é mera consociação mista, de consociações privadas, comunitárias e públicas. Onde a sociedade perfeita é federação de sociedades imperfeitas. Onde a política é superior à economia.