Alberto João voltou a ser provocador e, como bom ex-técnico da psico militar, decidiu ocupar a agenda mediática, brincando a coisas tão sérias quanto a liberdade de associação e a liberdade de expressão, só porque sabe que o comum das pessoas não se apercebe das subtilezas do texto constitucional, de tal maneira que até pode julgar que vivemos num regime onde está proibida a defesa individual do fascismo em sentido estrito, ou até do nosso salazarismo, quando até é possível a edição do próprio livro de Hitler, "Mein Kampf".
O que a Constituição proíbe n0 nº 4 do art. 46 são "organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista". A mesma constituição que, no seu preâmbulo, diz que o 25 de Abril de 1974 derrubou o "regime fascista". Um articulado aprovado em 3 de Setembro de 1975, em pleno PREC, quando Jorge Miranda, então deputado do PSD, que o aprovou, declarava que deveriam abranger-se "também "associações que, embora dizendo-se revolucionárias, objectivamente servem os fins da ideologia fascista".
Três meses depois, dava-se uma inversão do PREC, quando os golpes e contragolpes de 25 de Novembro, levaram ao poder os que pretendiam superar o vanguardismo revolucionário, para poder cumprir-se o maioritário desejo do povo expresso nas eleições de 25 de Abril de 1975. Aliás, no golpe anti-eleições, em nome da revolucção, estiveram implicado, primeiro, o PCP, que desistiu na véspera, depois, a UDP, muita extrema-esquerda e alguns dos advenientes inscritos no PS que então circulavam por coisas da esquerda revolucionária. Por isso, a marca pluralista e pós-revolucionária desta democracia acbou por ser emitida por Melo Antunes, um dos vencedores, que, logo no "day after", veio dizer que o PCP era necessário à democracia, mantendo-o no governo provisório até ao começo do Verão do ano seguinte.
Se a proposta de Alberto João sempre tivesse existido, conforme as glosas de certos jornais e os comentários de resposta de certos partidcratas que aproveitaram a boleia desse dolo eventual, correríamos o rico de ver a própria JSD proibida. Talvez não erre se disser que a mesma organização perfilhou "A Internacional" como seu hino oficial, com os retratos de Marx e Engels a alindarem os primeiros congressos...
O próprio PSD só retirou a inspiração marxista do respectivo programa no tempo de Cavaco Silva, já bem depois de o PS de Constâncio ter feito o mesmo. Por outras palavras, Alberto João aderiu a um partido assim originariamente "contaminado" e continua a ser o único político no activo que, ainda há meses, usava o vocábulo "fascista" para denegrir adversários incomodativos...
Aliás, Marx militava num partido dito social-democrata da Alemanha (SPD), tal como Lenine pertencia à ala dita bolchevique do partido social-democrata da Rússia... Se, na Itália, se proíbissem organizações fascistas e neofascistas, nunca poderia ter existido MSI. Logo, os antigos neofascistas, agora ditos pós-fascistas, nunca poderiam ter acedido ao actual governo de Roma. E isto na pátria do fascismo originário. Tal como o PSD deve ser o único grande partido lusitano que teve na sua liderança um antigo ortodoxo marxista-leninista-maoísta. Se interditassem organizações comunistas, um sujeito como ele, por resistência, nunca poderia mudar de concepção do mundo e da vida...
O Professor Miranda já mudou de opinião nas suas meditadas lições: "se o art. 46.°, n.o 4, pode ter sido emblemático na conjuntura histórica em que foi aprovado, de jure condendo nem por isso ele se justifica, por pôr em causa tanto a total democraticidade do sistema como o princípio da igualdade, através da discriminação contra uma ideologia, entre as várias eventualmente não identificadas com a democracia pluralista consagrada na Constituição"
Até acrescenta: "Por ideologia fascista deve entender-se, para efeito do art. 46.°, n.º 4, não qualquer ideologia antidemocrática, de qualquer quadrante, mas a ideologia correspondente (ou análoga) à do regime anterior a 25 de Abril de 1974 - assim definido no preâmbulo da Constituição (sejam quais forem as dúvidas sobre o rigor da designação) - tomando em devida conta o contexto histórico em que o preceito surgiu"
Mais: "A Constituição não proíbe que qualquer cidadão perfilhe a ideologia fascista nem tão pouco a liberdade de expressão de tais ideias ou permite que as mesmas possam ser objecto de qualquer tipo ou forma de censura; apenas proíbe a existência de «organizações» que perfilhem aquela ideologia, o que implica, obviamente, a proibição de que tal ideologia seja manifestada por forma organizada».
O perigo de mantermos ou alargarmos a tipicidade proibitiva através de um tópico polissémico, como fascismo ou totalitarismo, interpretáveis pelas mais nefastas diabolizações, implicaria sucessivas actualizações, conforme os ideias de defesa social de conjuntura. Teríamos de alargar a proibição a coisas como o terrorismo e o fundamentalismo e até, cedendo a alguns fantasmas e preconceitos de demagogos do palanque, do microfone, da barra ou do púlpito, estender a indeterminação a sociedade ditas secretas ou discretas, num crescendo paranóico onde costumam ser hábeis os herdeiros dos inquisidores, dos moscas, das formigas e dos pides, incluindo os marcados por alienígenas inspirações, entre SS e KGB. Não tardaria que seguíssemos alguns títulos, como o de Talmon, repetido por Paulo Otero, considerando como totalitária a própria democracia.
PS: Excerto do artigo 3º de uma lei celerada ainda vigente, mas inválida e ineficaz: "considera-se que perfilham a ideologia fascista... os que mostrem adoptar, defender, pretender difundir ou difundir efectivamente os valores, os princípios, os expoente, as instituições e os métodos dos regimes fascistas que a história regista, nomeadamente o belicismo, a violência como forma de luta política, o colonialismo, o racismo, o corporativismo ou a exaltação daqueles regimes". É a lei nº 64/78 de 6 de Outubro, que o PSD, até pela voz "pasionaria" de Helena Roseta, qualificou como "lei celerada". O bom senso nunca a aplicou, até porque ministros e governantes fascistas, tecnicamente falando, conforme o preâmbulo da Constituição, foram recrutados para governos socialistas e sociais-democratas. Aliás, a televisão pública, ao admitir a figura de Salazar a um concurso sobre grandes portugueses, deveria ter sido processada...
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