a Sobre o tempo que passa: Contra as vacas sagradas que nos enredam

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

5.7.09

Contra as vacas sagradas que nos enredam


A "caixa negra" do nosso sistema político vive em ciclo de andropausa histérica com muito sexo dos anjos à mistura. Temos estadão no vértice do principado, ou aparelho de poder, e muitos estados dentro do Estado nas plataformas comunicacionias com as forças vivas. Não conseguimos transformar o velho corporativismo neofeudal em autêntica poliarquia. Parecemos impotentes quando tentamos dar pluralismo à democracia e diabolizamos o federalismo, a regionalização e o municipalismo, apenas admitindo as conquistas pré-constitucionais dos Açores e da Madeira e a adesão dos povos aos seus concelhos.


Acontece também que as sucessivas reformas por cumprir dos vários governos deste rotativismo devorista do PS e do PSD acabou por gerar a desertificação dos grandes corpos da administração indirecta do Estado e a estatização dos restos de democracia da sociedade civil que ainda nos marcavam.


Quase podemos concluir que só conseguimos gerar reformas do Estado e da Sociedade nos ciclos ditatoriais dos governos provisórios fundadores de regimes. Como o de D. Pedro IV em 1832-1834, donde vieram os decretos de Mouzinho e de José da Silva Carvalho; o da I República, que laicizou o transcendente que restava; o da ditadura das finanças subsequente ao plebiscito que elevou Carmona ao altar; os seis governos provisórios de Abril. Esperemos que, agora, a partir de Outubro, quebremos o enguiço. Podemos refundar o regime, livrando-nos do sistema, nem que seja através de um qualquer governo de acordo interpartidário que acabe com esta alternância dentro do Bloco Central, com alguns acólitos e satélites pelo meio.


O país não pode continuar mais interessado em votações soviéticas ocorridas num grande clube de futebol e a discutir a administração da justiça de forma directamente proporcional à litigância militante dos que ocuparam os interstícios dilatórios do chamado Estado de Direito, onde está invertida a hierarquia das normas. A justiça tem de voltar a ser superior ao direito. O direito tem de estar acima das leis. E os operadores judiciários não podem pensar que são proporcionalmente inamovíveis e irresponsáveis por causa das vacas sagradas de um modelo que deve ser repensado, através da urgente "provocatio ad populum".