a Sobre o tempo que passa: OBAMA: uma vida útil, um caminho. De Teresa Bracinha

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

13.12.09

OBAMA: uma vida útil, um caminho. De Teresa Bracinha


Desde 4 de Novembro de 2008 que pensei começar a escrever sobre Barack Obama com alguma regularidade. Então, a dada altura, apesar do impulso do projecto, entendi guardar em mim e durante um tempo a promessa.

Agora aqui seguem algumas palavras que pretendem reconhecer a descoberta ou o ajuste com a realidade que se mostra diversa e una num jeito fresco de assumir a política.

Em rigor, a realidade a que me refiro é aquela que fica algures pelo meio de uma viagem e é desse meio que, espero, cada um retire a melhor água.

Vejo hoje, aqui e além, referirem-se a Obama de jeito incisivo por excesso e sem a clemência com a qual ele nos pretendeu entender durante a sua vida e a sua carreira política.

Julgo que muitos os que se lhe referem com perfídia e invídia mal disfarçada, ainda não entenderam que o trágico mulato não é ele, é sim, a tragédia parda que todos somos sempre que não conseguimos superar-nos.

Há que dizer que Obama não está ligado a causas perdidas; Obama sobreviveu até hoje ao processo demolidor de quem luta para pagar conta própria e forte conta alheia na escuridão do vazio, num momento em que os fundamentalistas da própria estupidez nos tentam condenar a todos.

Assim, e que mais razões não existissem para suportar uma vida cheia de renovação interpretativa em si mesma, como tem sido o caso do percurso de Obama, eis que ele nos propõe uma aposta, uma possibilidade e uma possibilidade a festejar sobretudo quando as realidades da política comezinha fermentam numa enxurrada coxa e desentrançada de ideais ou causas.

Tenho para mim que o contexto em que surgiu Obama é aquele em que as arestas vivas só aceitam quem de coragem as enfrente.

Devo dizer que não tenho visto até à data, um Obama que discorda cansativamente de tudo; um Obama alheio às humilhações e fúrias, às violências e aos desesperos de um mundo em queda.

Atrevo-me a frisar que em muitos dos seus discursos, reside a força de uma inocência lúcida, inimaginável numa idade adulta e que nos faz pensar nas já adulterada crianças que pelos dias de hoje, tão cedo a perderam, e, sobretudo, sem que ninguém assuma a responsabilidade desse crime imputável a quem o devia ser e de pleno.

Há quem não imagine sequer que uma velha máquina de costura pedalada por quem não retira os olhos do tecido que ponteia, tem o direito de ocupar um lugar na economia mundial, tem direito a sonhar com netos e a descansar e a percorrer enigmas e a decifrar os dias e a aceitar o quanto é doloroso não poder confiar totalmente em alguém.

Que argumentos se utilizaram em favor dos direitos que acima se referem? Quem se assume co-responsável na desconstrução do contrato natural?, e ainda assim ouse oferecer liderança em saltos cruciais através dos tempos?

Recordo que Obama não recusou escrever o quanto deve à sua mãe o que de melhor em si existe. Emoção recorrente em mapa sem escala, diria eu. Subversão inesperada num ângulo que também por aí faz honra à liberdade.

Reconheçamos que cada um se tenta explicar; reconheçamos que temos feito esperar tanto quanto o que nos fizeram e fazem esperar a nós; reconheçamos que nem todos são poetas propensos; reconheçamos que poucos conseguem ser promessa ou assumir esse terrível risco de prometer; reconheçamos que o Nobel deve estar, no mínimo à altura do peito de cada um e daí tire-se a medida própria.

Há que saber discordar sem rancor e afirmar em terreno o orgulho pelo seu lugar no mundo. O imprevisto em Obama, também tem tido esta característica.

Oxalá todos nós saibamos colocar na mesa o que já fizemos pelas soluções de nós mesmos e pela injustiça que vamos permitindo calidamente antes de esperarmos pelo país que não merecemos e que reclamamos.

Ainda não vi um Obama azedo!, ainda que ele próprio e nós já tenhamos visto demasiado, de um modo ou de outro.

Ainda não vi um Obama embotado, colonizado por uma visão do passado, agarrado à desutilidade do agir.

Em meu nome e em nome de uma mudança autêntica, eu quero crer!

Quero crer que Obama não substituirá os ódios existentes por quotas de mercado de poder.

Quero crer que Barack Obama não abafará a diferença entre os mundos da abundância e os mundos da necessidade.

Em meu nome e em nome de uma mudança autêntica, sejamos fortes na luta contra a desilusão e que as novas perguntas vivam épocas de respostas firmes para que compreendamos a esperança e nela eu quero crer!, até lá onde e aonde pode levar um caminho, uma vida útil em nenhures e toda a parte.


Teresa Bracinha
13.12.09