a Sobre o tempo que passa: Quem procura nem sempre encontra. De Teresa Vieira

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

21.3.10

Quem procura nem sempre encontra. De Teresa Vieira


QUEM PROCURA NEM SEMPRE ENCONTRA

Existem muitas realidades que estão dentro de nós e não “num lá fora” onde se procuram.

Por outro lado, a preocupação de procurarmos também nos limita o campo das descobertas, porquanto as procuramos através do funil que já determinámos.

Assim, é bom que saibamos interpretar a beleza e a penúria, para que repensemos o que nos cerca, e quais os factores que mais conduzem a que quem procura nem sempre encontre.

Não é raro assistir-se ao espectáculo que os políticos provocam tentando criar no homem rural uma mentalidade industrializada, urbana. Também não é raro o perder de uma liberdade fundamental, só existente e sentida pelo homem do campo, quando, na cidade, contempla o sol.

Tudo isto nos levanta a questão de se saber, através da mínima percepção que seja, o que se procura e o que se encontra, não sendo de descurar a extrema liberdade de quem come do que semeia.

Mas uma coisa é reconhecer no homem o oficio das suas imensas capacidades de sobrevivência, outra coisa é transferirmos o seu sofrimento para um outro modelo que tem tanto de discutível quanto de tolhida abundância da realidade que se promete.

Em rigor, é desumano que se pense que, afinal, os que padecem de fome ainda são os mais livres já que perderam o procurar e o encontrar.

Que desacerto entre o que se busca e o que se tem; entre o que se esperança e o que nos detém.

Morremos a cada dia também pelo desencontro entre a nossa angústia e o que nos oferece a sociedade da abundância; a tal que só quer o que o outro tem; aquela que deixa o básico por resolver; a mesma que destrói a qualidade de existência das pessoas; a que convoca as cimeiras das modificações económicas e se esquece que as mesmas só surgem da modificação de valores.

Podemos dizer que quem procura nem sempre encontra, ou não reconhece no que avista, as prioridades pelas quais tanto luta.

Será por essa razão que até as janelas são todas quadradas? por uma questão funcional do pensar e do criar? que se não adequa à beleza por esta ser insusceptível de avaliação pecuniária?

Enquanto o ser humano existe, diga-se, ele tem de ter condições de existência, em termos de alegria, de vitalidade, de crítica, de afectos, de direitos, de trabalho, enfim de tudo o que lhe permita não morrer antes da morte: antes de se dar conta da impossibilidade de encontrar o que procura.

Contudo, existem muitas realidades que estão dentro de nós e não “num lá fora” onde se procuram, tal como afirmo no início deste texto. Devo dizer que a invenção da ocupação dos tempos livres me confunde. Ainda hoje me recuso a acreditar que vivemos numa sociedade em que somos tão pouco livres que ainda não descobrimos os nossos próprios interesses e delegamos em alguém o inventar de coisas para fazermos.

Afinal preparar os jovens de hoje para o futuro de amanhã é em si uma impossibilidade do presente? Então a pátria constrói-se sempre num amanhã? Afinal a penúria é não nos colocarmos a pensar no presente? Ou o futuro é um jovem velho numa falsa festa?

Não se descure que o território patológico nega a dimensão social, política e humana, mas o destino não está todo contaminado

No Douro, raramente se diz «no mês de Setembro», lá, a noção é outra: é a da altura das vindimas. E redigo que a sensibilidade na leitura da natureza é a única que não compartimenta a vida nem a acanha, é sim, a que transforma a concepção mundo, a que prova que quem procura sempre alcança.

E creia-se!

M. Teresa Ribeiro B. Vieira

19.03.10

Sec.XXI