a Sobre o tempo que passa: Contra a aliança do capitalismo de Estado com o capitalismo dos pequeninos, a que dão nome social-democrata de socialismo

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

12.3.10

Contra a aliança do capitalismo de Estado com o capitalismo dos pequeninos, a que dão nome social-democrata de socialismo


Começo pelo patético. Depois de ontem ter uma prestação televisiva de comentário à entrevista de Cavaco, alguém anotou num blogue: "o sujeito escolhido pela SIC para elogiar Cavaco" (cá eu), "é, alegadamente, nem mais nem menos que sogro da filha de Cavaco e, obviamente, avô dos netos dele". Desta, não disseram que eu era filho do capitão da polícia de choque, como um ilustre crítico de televisão do antigamente e ainda servidor do velho estalinismo... Ou um cônjuge de uma funcionária da PGR, como certa televisão insinuou... Inconvenientes de um nome plebeu e raro, quando não é alcunha, mas que agora já sirva como terminação, para certezas dedutivas de compadrio, conforme a denúncia inquisitorial.

Parentesco com netos de presidentes belenenses já as tive, sim senhor, mas com um de antes de 1974. E era tão intensamente animosas que tais netos nunca puderam visitar a avó, mulher de ferreiro, de bela estirpe rural, o que levou parte activista da família das minhas bandas a votar toda em Humberto Delgado, como quase todos me confessaram, mas já depois do Vinte e Cinco de Abril. Mais cómico é qualificarem-me como cavaquista, eu que nunca votei, nem votarei, no ilustre economista, ou num partido por ele eucaliptizado, e que sou acusado pelos assanhados do neo-sidonismo como anticavaquista primário...

Porque há quem defenda uma mistura de capitalismo dos pequeninos com capitalismo de Estado, quando este aparece fragmentado por muitos pequeninos mais papistas do que o papa do micro-autoritarismo subestatal, sobretudo quando o invocam a ciência certa, da teocracia com que lhe torceram o pepino, com "tudo o que digo é lei" e o "não estou sujeito à própria lei que faço"...

Capitalismo de Estado é o poder pelo poder: um mercedes preto, uma secretária de pau preto, bem como um motorista e uma secretária, de qualquer cor, mas de carne e osso, com muitos "yesmen" bendizendo os restos que vou escorrendo daquilo que devia ser do povo...

Capitalismo de Estado é comunismo burocrático: sentar os opositores como comensais à mesa do orçamento e manter o clientelismo, o nepotismo, as empresas de regime, o paráclito e a engenharia da cunha e a subsidiologia, até com discursos contra a corrupção. Basta enredar um qualquer desses pretensos fariseus do "olha para aquilo que eu digo, não olhes para aquilo que eu faço"...

Prefiro o velho aviso de Jaime Cortesão: ser fiel aos "factores democráticos da formação de Portugal", desde as "comunas sem carta" (expressão de António Sardinha), como são as freguesias, aos concelhos, essas formas de "polis" que levaram o Infante D. Pedro, no primeiro tratado de política em português, o "Livro da Virtuosa Benfeitoria", a qualificar o reino, ou república, depois dita Estado, como "um concelho em ponto grande".

E como ainda ontem disse a um ex-patrão dos patrões, quando me interpelava sobre este herculanismo, também seguiria a lição de Passos Manuel, reorganizando o mapa, mas de baixo para cima, para reduzir o desperdício da infuncionalidade. Utilizava a região administrativa no continente e fundia concelhos e freguesias de forma federativa, retomando a mentalidade girondina e não os códigos administrativos do absolutismo. Bastava um governo provisório alargado que regenerasse o setembrismo da patuleia que sempre foi proibida pelos vigilantes exógenos... Por enquanto, apenas estou num activo Vale de Lobos da sabática, cumprindo rigorosamente o espírito e a letra da lei, isto é, trabalhando mais!

Como Cortesão também ensinava, o castelhano é que segue Quixote. Nós somos mais do partido de Sancho Pança, mas precisamos de engenharia de sonhos, daquela "visão do paraíso" que não é da utopia mas do terráqueo, de um transcendente situado que não se confunde com a demagogia dos falsos sebastianismos. Porque, cada um tem de começar por ser empresário de si mesmo, isto é, tendo uma ideia de obra que respeite as regras e promova manifestações de comunhão entre seus próximos, vizinhos e compatriotas. Estamos com sede de coisa pública, neste momento de esperança dos desesperados.

Capitalismo de Estado é saber que qualquer homem tem um preço. Há uns que se compram com honrarias, outros com amendoins. Os inimigos são os que preferem o antes quebrar que torcer. São hereges, dissidentes e inimigos do povo. Mesmo que transforme o antigo inimigo de ontem em amigo de hoje. Ele apenas era oposição com mentalidade de situação...

E Estado é dividir o mundo entre os superiores da ministerialidade, escolhidos pelos "boys", e os inferiores eleitos nas autarquias e nas regiões, para quem "no money for the boys". Tudo para "inglês" das "ratings" ver. Será o resultado do novo aconselhamento da agência de "lobby" ou cansaço da respectiva tradução em lusitano: "passos perdidos", que é nome parlamentar do "átrio"?