a Sobre o tempo que passa: Para que serve este Palácio?

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

7.3.11

Para que serve este Palácio?




1
As expectativas sobre a acção de Cavaco foram defraudadas, dado basearem-se na ideia de que o Presidente tem uma "dimensão política" muito superior à realidade. O próprio Chefe de Estado já avisou o país de que "a solução para os nossos problemas está na mão do Parlamento (parte de um depoimento que prestei a Paula Sá no DN de hoje)




2
Cavaco está "condenado a ser um presidente institucional", que se "autolimitou" pela sua própria leitura da Constituição. Já Mário Soares no primeiro mandato, ao ser o primeiro presidente civil eleito por sufrágio universal, "tinha autoridade, mesmo sem poder". O que lhe valeu até o apoio do PSD para a reeleição.


3
Também Sampaio, nos cinco primeiros anos de mandato, apenas foi o "notário do regime", sem conflitos dignos de registo.


4
O presente regime não tem, no parlamento, o monopólio da representação política e, consequentemente, a fonte única dos poderes, nomeadamente os governamentais. Daí que a partidocracia e a tentação do presidencialismo de primeiro-ministro vivam em concorrência com um presidente sem poderes, mas com a possibilidade de conquista da autoridade.


5
Soares foi o autor do modelo presidencial, quando ele deixou de ser tutelado pelos militares, gerando-se este regime pós-revolucionário a que o mesmo Soares tentou chamar Segunda República. Até usou a bomba atómica da dissolução a favor do adversário e não precisou de presidencialismo para dialogar directamente com o povo.


6
Sampaio foi presidente sem ser ministro e chefe do governo. Bastou-lhe o currículo de autarca e de tribuno de RGA, acabando condenado a usar da bomba atómico para com a trapalhada de um chefe de governo não eleito, mas sucessor das más moedas da partidocracia...


7
Cavaco, o institucionalizado, ainda anda à procura da autoridade, embora tenha criado altas expectativas e esteja traumatizado por provocações que não conseguiu driblar, das escutas às autonomias regionais, da IVG aos discursos de rebeldia do ministro da defesa face ao comandante supremo das forças armadas.


8
Cavaco sabe que vivemos em soberania condicionada pela geofinança e por uma transição no espaço europeu da hierarquia das potências. Não servem apenas as belas aulas que tem dado de análise da conjuntura económica, quando os cenários são marcados pela volatibilidade, o GPS avariou e falta sabedoria para a velha arte de marear. Andamos apenas à bolina, sempre à vista de costa.


9
O nosso modelo de presidência é uma quase inexistência no jogo institucional europeu, onde apenas tem a hipótese de informação privilegiada e de eventual influência pelo prestígio histórico alcançado, sobretudo no Partido Popular Europeu. Mas não parece que tenha feitio para a guerrilha institucional que também não cabe no perfil que foi gerando.


10
Talvez se reserve para um papel activista numa eventual transição que seja provocada por uma emergência de dramatismo, onde o discurso do rei volte a ser de mobilização simbólica ou de resistência. Mas não pode baralhar e dar de novo no rotativismo da partidocracia.


11
Apenas pode fazer acrescer à aritmética parlamentar, onde se geram as maiorias, uma adequada geometria social, através de uma grande coligação de forças morais (igrejas, maçonarias, universidades e homens de cultura) com forças sociais (sindicatos e associações empresariais), mas só com o reconhecimento das grandes potências amigas e com os seus aliados da geofinança.


12
O presidente, em Portugal, apenas tem poder de afinamento estratégico, mas desde que desenvolva a criatividade típica dos indisciplinadores colectivos que tenham a sabedoria da racionalidade complexa e apostem na aventura da refundação da pátria e dêem voz à tradicional engenharia dos sonhos.


13
Infelizmente, a dominante sociológica do presente bloco central é estática, quase enjoada, não gosta de navegar e não parece desperta para a urgente justiça intergeracional. Continua a viver no falso pragmatismo do vale mais um pássaro na mão do que dois a voar e aposta na velha servidão voluntária, segundo a qual, enquanto o pau vai e vem, folgam as costas...


14
Falta a sabedoria da racionalidade complexa, aquela que mistura a honra com a inteligência, o racionalismo finalístico dos bons economistas e da razão de Estado, os que sabem navegar nos cenários bem demarcados do planeamentismo, com o racionalismo axiológico da moral de convicção.