De novo a República Velha ... Sem V Dinastia nem V Império
O Ultimatum foi em 1890, mas o 5 de Outubro só chegou em 1910. Com o prévio assassinato do rei e do príncipe real.
A República instaurou-se em 1910, mas no ano seguinte logo chegaram as cisões partidárias, o adesivismo e as incursões monárquicas. Contudo, o 28 de Maio só chegou em 1926.
As eleições de Delgado foram em 1958, mas o 25 de Abril só aconteceu em 1974, já depois de Salazar ter caído da cadeira.
Por outras palavras, a decadência situacionista é o regime que mais dura em Portugal e nunca as oposições conseguiram derrubar o que estava. Os regimes caem de podre, quase pela auto-dissolução. Porque embora estejam já mortos, um quarto de século antes de morrerem, mantêm-se como "cadávares adiados" que vão procriando tachos e sinecuras, pelo sistema da corrupção, isto é, da compra e venda de poder.
A nossa III República é cada vez mais um "reino cadaveroso". Isto é, antes de morrer já está morta de autenticidade, antes de o deixar de ser já o não é. Contudo, a IV República quando chegar já virá tarde. Não haverá instauração da V Dinastia e já poucos até sonham com o V Império.
Acelerar o passo é fazer um 31 de Janeiro que apenas serve para se comemorarem revoluções frustradas. Promover um curto-circuito é cair na tentação do regicídio, ou na ilusão do sidonismo. Hoje é tecnicamente impossível um golpe de Estado, não há um Machado Santos que vá para a Rotunda ou um Gomes da Costa que salte para a garupa do cavalo do poder a partir de Braga. Aliás, o poder já não cabe no quartel do Carmo e muitos menos se pode comprimir numa Chaimite.
Resta-nos semear revolta individual, sem esperança na revolução colectiva. Mas sem dizermos não aos desafios da coragem. Até nem haverá aparições no lugar da Rocha, em Carnaxide, ou um milagre do sol na Cova de Iria. Já não temos direito a encontros imediatos de primeiro grau com o transcendente nem há paraísos do sol da terra, com o seu D. Sebastião científico.
Resta-nos o poder singular da palavra. Mas com o realismo de reconhecermos que um dos principais segmentos da corrupção passiva campeia entre os intelectuais, à espera de sinecura e de subsídio.
Não resisto, portanto, a transcrever uma quase anónima missiva que foi remetida a um amigo meu, vinda de um desconhecido, talvez um exilado lusitano. Com a devida autorização do receptor, passo a transcrevê-la, com alguns cortes:
"Não há dúvida nenhuma que o seu estilo abrasivo tem a intenção clara de deixar ferida, com mestria e agilidade quase incomparáveis. Não me admira, portanto, que os pasquins corruptos da normalidade política, sempre atentos ao perigo de verem o dono ou patrono ser cilindrado pela palavra,mostrem pouco interesse na sua colaboração regular. "
" O seu ... é limpido, bem desenhado e contundente nas imagens que acompanham os seus escritos. Faço votos para que essa idade perigosa dos 50 não comece a fazê-lo sentir-se cansado, que é como que um amadurecimento para se cair nas malhas dos caçadores a soldo de partidocracias que procuram acenar sinecuras ao intelectual tresmalhado preste a reformar-se.. "
"Dito isto em seu reconhecimento, talvez seja útil lembrar-lhe que quando tiver a minha idade, mantendo-se esse seu espírito de "Spartacus ad gloriam", algumas das suas certezas de hoje por certo terão desaparecido envoltas nos fumos da dúvida. Na idade que tenho, cheguei à conclusão que a politica da normalidade é apenas uma frente que nos distrai de programas bem mais complicados e mais atinentes ao futuro da Humanidade e deste planeta."
"Criticar partidos é descer a uma dimensão controlável, é envolvermo-nos no guizado que se tem servido aos manipuladores da politica. Os titereiros da política nunca são eleitos presidentes ou secretários-gerais de partidos. Essse lugares pertencem à gente parva - em latim ou português."
Por mim, apenas continuo a acreditar que a democracia, pluralista, representativa e constitucional, admite mudanças, verdadeiros golpes de Estado e revoluções sem efusão de sangue. Chamam-se: liberdade de expressão, liberdade de reunião, liberdade de associação, direito à esperança, direito à pátria, direito à procura da felicidade, eleições. Só as democracias que se transformam em "cadáveres adiados" é que o deixam de praticar.
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