a Sobre o tempo que passa: Demagogia, incompetência e negocismo

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

6.10.04

Demagogia, incompetência e negocismo



Carvalhas anuncia o abandono. Barroso foi-se. Ferro não quis ficar. E Portas assumiu o decanato. Na liderança partidária. E até na governação.

Mas a renovação talvez seja apenas aparente, confirmando o poder supremo da infra-estrutura gerontocrática, dessa linha subterrânea de ausentes-presentes que se reforça.

Algo cheira a muito complicado neste reino da Dinamarca. A Igreja Católica está cada vez mais invocando a Concordata e o Vaticano. A Maçonaria também parece cada vez mais discreta. As forças armadas estão definitivamente profissionalizadas. As magistraturas, cada vez mais corporativas.

A única rocha firme são as alianças internacionais, onde, da NATO à UE, caminhamos, cada vez mais, para sermos a Turquia Ocidental.

A tal "racionalidade importada" ameaça tornar irracional a própria independência nacional.

Quanto menos a ideia e a emoção de nação nos mobilizarem mais seremos estadualizados de forma alienígena. E com a política reduzida à heteronomia, a cidadania pode reduzir-se à fragmentação contestária e ao protesto faccioso.

Sem uma comunidade afectiva que nos dê justiça e bem comum, apenas reclamaremos direitos e nunca daremos ao todo a necessária justiça e o indispensável amor. Contestar, protestar, exigir podem ser fracturantes se não assumirem a dimensão militante da resistência. E se não houver alma que nos identifique, não passaremos de mera sociedade anónima gestionária. Só com uma necessária tensão espiritual, poderemos vencer as teias da demagogia, da incompetência e do negocismo.